ENTREVISTA: OSCAR SANTANA

Glauber Rocha, o Deus ou o Diabo do Cinema Baiano?

Aos 73 anos, com cinqüenta anos de carreira no cinema, Oscar Santana esbanja otimismo e jovialidade. Para sobreviver durante tanto tempo produzindo e realizando filmes, este estado de espírito foi fundamental. Responsável, junto a Roberto Pires, pela produção do primeiro longa-metragem ficcional baiano, pertenceu àquela geração de cineastas que, literalmente, inventou o cinema brasileiro. Ou melhor, reinventou sob uma nova ótica. Ao pôr em prática a paixão pela sétima arte, adaptaram não somente o olhar dos brasileiros à sua própria realidade, como criaram tecnologias mais adequadas à produção feita à margem dos grandes centros cinematográficos. Por volta de 1954, para realizar o curta O calcanhar de Aquiles, produziram – ele e Roberto Pires – um sistema de fixação do som ótico nas bordas do reversível e, em 1958, novamente com seu inseparável amigo, a lente Igluscope, responsável pela execução do primeiro filme brasileiro em cinemascope: Redenção (1959). Eles também foram responsáveis, no final da década de 1950, pela criação da lendária Iglu Filmes, produtora de Barravento, A grande feira, Tocaia no asfalto dentre outros filmes que marcaram época. Com simpatia, Oscarzinho, como é conhecido no meio cinematográfico, recebeu na Sani Filmes, sua atual produtora, a equipe de editores de CineCachoeira para uma conversa sobre o passado e, claro, sobre o futuro de uma de suas maiores invenções: o cinema baiano.

CineCachoeira:

Você tem uma trajetória como produtor, mas dirigiu alguns filmes…

Oscar Santana

Não, minha trajetória é como diretor. Só que, quando eu encontrava um roteiro bom de um colega, eu produzia. Foi assim com o Fernando Cony Campos. Eu estava pra fazer A virgem de ouro e, como eu gostei imensamente do roteiro de O mágico e o delegado, resolvi produzir o filme dele antes. Acabei não fazendo o meu…

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Então você se considera mais diretor que produtor?

Oscar Santana

Com certeza. Produtor por circunstância. Porque, no Brasil, ou o produtor se autofinancia, na maioria das vezes, ou ele não consegue fazer. Pelo menos na época em que a gente começou era assim, quando a gente fez o primeiro longa baiano, Redenção, com recursos próprios. Éramos quatro sócios. Depois fizemos A grande feira e Tocaia no asfalto, agora já sensibilizando alguns parceiros que não eram do ramo. Entraram pelo entusiasmo com o nosso trabalho.

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Como é que surgiu este trabalho? A gente fala sobre um ciclo baiano de cinema, mas não fica muito claro se isto foi um projeto consciente de um grupo…

Oscar Santana

Eu acho o seguinte: nós fomos apaixonados e atrevidos. E aí fizemos o primeiro filme. Daí em diante, as pessoas verificaram que era possível fazer. Aí começaram a tentar. Nós, por outro lado, continuamos fazendo: depois de Redenção, fizemos Barravento, para Glauber Rocha, A grande feira e Tocaia no asfalto, para Roberto Pires. Isso começou a dar a conotação de que havia um movimento. E até havia, se pensar bem. Porque quando a gente começou a criar a Iglu Filmes… Aliás, eu sempre costumo explicar a origem do nome, pois não tem muito sentido. Ainda mais numa época apaixonada como aquela, soaria melhor Acarajé Filmes, Capoeira Filmes, jamais Iglu Filmes. Quando a gente estava fazendo experiências até de madrugada na casa do Roberto, no bairro do Garcia, tinha um dono de uma lanchonete, chamada Iglu, na Praça da Sé, que ficava muito entusiasmado com nossas idéias. Ele não acreditava muito naquela conversa, mas animava. A gente descobriu que ele mantinha o bar aberto até a gente chegar. Quando estávamos meio “duros”, ele segurava a peteca liberando um sanduíche. Quando começamos a discutir sobre o nome da produtora, foi unanimidade: vamos colocar Iglu Filmes em homenagem a ele.

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Como o Hélio Silva, grande fotógrafo do cinema brasileiro, entrou em Redenção?

Oscar Santana

Um dia a gente mandou o negativo dos testes de Redenção para o laboratório e recebemos de volta o rolo com o seguinte bilhete: “Roberto e Oscar, o negativo de vocês está tão fraco que não conseguiu sair da lata”. Chegamos à conclusão de que não dava para improvisar. Chamamos o Hélio Silva, que era o nosso deus na época. Ele tinha feito Rio 40 graus. Quando ele chegou, eu, muito ávido, cheguei e disse: “Hélio, venha cá, essa questão da máquina, quantos stops a gente põe no rosto de um ator de um lado e de outro?” Aí, ele me respondeu, “Oscarzinho, eu não sei como lhe responder, porque você não sabe nem perguntar”. Depois disso, assumi a câmera e ele, a direção de fotografia.

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A Iglu Filmes foi criada para produzir Redenção?

Oscar Santana

Foi. Antes a gente era colega de faculdade no curso Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ambos apaixonados por cinema. Começamos a conversar… A paixão foi se exacerbando e começaram as experiências. Tanto que, antes de Redenção, fizemos um curta experimental chamado Calcanhar de Aquiles, que era um filme policial. Porque Roberto tinha essa mania de ler tudo quanto é livro de Agatha Christie…

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Este filme se perdeu?

Oscar Santana

Roberto disse que deu à Cinemateca, porque ele foi feito de reversível, uma película que você gravava e ela já se tornava positivo. Ficava uma única cópia. A gente, nessa época, também criou um método para pôr trilha sonora no filme, porque não tinha dinheiro para comprar película profissional. Juntamos um gravador de fita e mais um projetor e construímos uma máquina para colocar a base de magnetita na borda, uma operação penosa, pois era um milímetro de trilha magnética. Conseguimos uma maneira de derreter a magnetita e depois colocar um produto que colasse na película. Um negócio de artesão louco mesmo. A gente utilizava uma caneta de dentista, derretia a magnetita, botava um compressor que puxava e pintava as bordas do magnético. Criamos um suporte para gravar o som. Foi uma odisséia, a gente também botava legenda na hora de filmar. Eu fazia a câmera e ainda interpretava o assassino da história.

CineCachoeira

Como é que era a história do filme Calcanhar de Aquiles?

Oscar Santana

O sujeito matava o tio para ficar com a herança. A polícia chegava, aquela confusão toda, e ninguém sabia quem era o verdadeiro assassino. Com a investigação, descobria-se que o criminoso derrubou um copo de leite, pisou e deixou vestígios de sua passagem pelo quarto do tio. Só que ele usou o sapato do primo, e não o dele. E aí, a polícia demora, mas termina descobrindo, porque o primo diz que o sapato tinha sumido. Jamais ele o calçaria, pois tinha um prego na sola, estava jogado no meio das coisas velhas. Examinando os pés dos suspeitos, descobriram o furo no calcanhar do verdadeiro assassino. Por isto se chamava O calcanhar de Aquiles

CineCachoeira

Rio 40 graus influenciou esse desejo de fazer cinema na época?

Oscar Santana

Com certeza. Porque antes você só tinha a produção da Atlântida, Hebert Richards, produções muito esquemáticas para se ganhar dinheiro. O filme até saía de cartaz, mas havia um retorno do investimento. Eram comédias musicais ingênuas. Quando foi feito Rio 40 graus, a gente começou a perceber outra coisa. Tinha uma ousadia, uma abordagem social. Começamos a ver a possibilidade de se fazer filme bom e barato. Agora tem uma história aí muito curiosa, o Glauber era crítico na época, ele escrevia, mas não fazia cinema. Como a gente realizava um cinema certinho, ele descia o cacete. Ele integrava a Iemanjá Filmes, surgida depois de Redenção

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Eles faziam parte do grupo ligado a Walter da Silveira, do Clube de Cinema.

Oscar Santana

Nós éramos um pouco desacreditados porque não frequentávamos muito o Clube de Cinema. Raramente íamos lá. Eu – não posso falar por ele, mas talvez ele pensasse assim – e o Roberto achávamos que as pessoas imitavam muito os filmes russos, franceses, italianos. Queríamos fazer um cinema permanente e víamos os filmes de Antonioni passarem e sumirem das salas. A gente lia que mendigavam toda vez que queriam filmar novamente. Desejávamos uma produção que não fosse propriamente uma indústria, mas, pelo menos, auto-sustentável. Atingir o grande público, mas sem fazer concessões para isso. Até hoje a situação é a mesma. Até hoje se faz filmes que vão de encontro à expectativa do público e não ao encontro da expectativa do público. O público está saturado de ver a miséria brasileira retratada no cinema. Eles não aguentam mais. E aí o rejeitam. Você vê que quando os caras fazem uma comédia, que era a grande arma do cinema da Atlântida, lançavam o filme num fim de semana e, no seguinte, já estavam fazendo outro. Porque era um cinema ingênuo e brincalhão.

CineCachoeira

Essa experiência a partir dos anos 1960 foi negada pelo Cinema Novo…

Oscar Santana

Sim. Eu acho que a gente deveria evoluir gradativamente, saindo desse filme ingênuo e ir penetrando aos poucos nos temas mais substanciais. Mas o que aconteceu foi um golpe muito forte, o Cinema Novo, que veio em seguida, quis ser autoral, dirigido à intelectualidade. Ou, como é até hoje, dirigido aos amigos que na frente dizem “genial”, mas já na esquina dizem “que merda”, entendeu? Foi uma mudança brusca. E todo mundo entrou nessa. Se você assistir os meus filmes, O caipora e O pistoleiro, são filmes de protesto. Em O caipora, você discute a questão do destino. O destino está na frente ou atrás do sujeito? Eu, que sou o autor do roteiro e dirigi o filme, acho que o destino está atrás. Por que eu digo isto? Porque, quando dirigia documentários no interior, via os padres falando “aceita seu destino, meu filho. Foi Deus quem quis assim”. E eu não aceitava isso como verdade para o ser humano. Eu acho que as pessoas devem criar as condições para sair de determinadas situações ou até mesmo de entrar nelas.

CineCachoeira

E o Glauber? Você falava sobre ele…

Oscar Santana

Eu queria falar de como Glauber se aproximou da Iglu Filmes.Glauber verificou que, apesar de ser contra a nossa teoria, o grupo dele, da Iemanjá Filmes, conversava muito, mas não fazia. E a gente conversava pouco e produzia. Numa das porradas que nos deu na imprensa, dizia que nossos filmes eram imperialistas, mas não tinha nada disso. Defendíamos uma produção brasileira continuada. Claro que imitávamos o exemplo americano, que ganha dinheiro e vende a cultura dele como quer, e a gente acaba consumindo, querendo ou não. Glauber descobriu que só conseguiria fazer cinema pela Iglu. Se continuasse batendo na gente, entrar pela porta da frente e encontrar todo mundo de braços abertos, seria difícil. Na época, Paulino tinha criado o roteiro de Barravento para o grupo da Iemanjá. Ele apresentou Luís Paulino dizendo que ele tinha um roteiro com a cara da Bahia, um filme romântico envolvendo o candomblé, uma coisa forte na época. Só depois descobrimos que Paulino não estava pronto para levar o projeto até o fim. A gente não tinha dinheiro e filmava cinco takes por dia! Começamos a ficar apavorados. Nos reunimos, e Glauber concordou que Paulino precisava de mais um pouco de tempo para poder estrear. Aí eu perguntei quem iria assumir a direção e ele respondeu que assumiria, pois conhecia o roteiro. Até hoje eu me pergunto se Glauber já não sabia desta condição logo que nos apresentou Paulino…

CineCachoeira

Mudou muita coisa do Barravento de Paulino para o de Glauber?

Oscar Santana

Glauber transformou a história retirando o romantismo e colocando o enfoque social. Na época de Barravento, ele estava muito naquela ideia da exploração do homem pelo homem. Isto estava muito em voga no Brasil. No cais do porto tinha os pelegos que alugavam os estivadores, ganhavam um dinheiro grande da companhia de docas, sublocavam o trabalho por uma miséria, um clima muito complicado. E Glauber colocou na cabeça que o dono da rede dos pescadores deveria ser o grande vilão da história. Um dia eu apontei o erro desse princípio. Porque, em minha opinião, os pescadores viviam mais felizes do que o dono da rede. Eu conheci o dono da rede, ele tinha um escritoriozinho de dois metros quadrados no comércio, um cara vermelhão, branco – ainda tinha este problema, pois empregava basicamente negros e mestiços. Mas acontecia o seguinte: os pescadores, depois do arrastão, iam para Itapuã e pegavam 50% dos peixes de qualidade e os outros 50%, o resto, traziam para a cidade. Por que faziam isso? Na divisão do bolo, metade de toda a pescaria deveria ir para o dono da rede e metade ficar com os pescadores. Utilizando este artifício, eles ficavam com 75 % dos melhores pescados. Como Glauber já estava empolgado com a exploração do homem pelo homem, não quis me ouvir, nem mexer no roteiro rebelde. Até que um dia tivemos de refilmar uma cena. Voltamos lá e encontramos os pescadores sentados na sombra, tomando uma cachacinha, chapéu de palha, e Glauber chegou dizendo: “levanta aí que vamos rodar”. Aí o cara falou que quarta-feira ninguém puxava rede, por causa do dia de Iemanjá. E Glauber se lascou e não conseguiu andar com a filmagem. Eu vim atrás dele e falei que os caras tinham opinião própria e só trabalhavam quando o folclore deles permitia. Agora, você vai lá no comércio e vê o cara se lascando pra trabalhar… Queria que Glauber deixasse as teorias marxistas e observasse a questão em si. Mas eu nunca fui ouvido.

CineCachoeira

Quando se compara Redenção com A Grande feira percebe-se que a questão social também modificou estética e ideologicamente os filmes de Roberto Pires.

Oscar Santana

Aí tem a influência, porque Glauber, repito, era um grande líder. Ele começou a influenciar também a mim, ao Roberto, a Orlando Senna, ao próprio Rex Schindler. Ele tinha uma visão que, a essa altura do campeonato, a gente não sabia se era acertada ou não. A grande feira foi fruto disso, já Tocaia no asfalto foi um filme sobre política, um filme arquitetado. O Roberto era muito preocupado com a forma de fazer cinema. Eu tinha um problema comigo, que era a forma mais relutante: eu era mais preocupado com o conteúdo. Tanto que, se prestarem atenção ao O caipora e ao O pistoleiro, vocês vão ver que tem muita análise social, de comportamento, por exemplo. Eu denuncio no pistoleiro a questão da honra do matador. Por que ele é contratado para matar um sujeito, vai passar a noite inteira esperando o cara chegar da rua pra matá-lo. Ele passa a noite em claro esperando. Isso não foi à toa, eu conversei com matadores profissionais. Pesquisei a maneira deles agirem, os códigos de honra…

CineCachoeira

Você era mais focado na mensagem, enquanto o Roberto era mais focado na questão da forma, da estética do filme, é isto?

Oscar Santana

O Roberto criava de maneira bem particular, criava ângulos inéditos. Você não sente o corte do filme, é muito leve a câmera. Ele se preocupava muito em deixar o ponto certo para o corte. Roberto era um gênio diferente de Glauber – se é que existe gênio com os pés no chão. Ele não partia da ilógica absoluta como Glauber. Queria fazer um cinema espetacular, mas dentro de um conceito inteligível.

CineCachoeira

Glauber acabou ofuscando outros talentos do cinema baiano…

Oscar Santana

Sim, ofuscou todos nós. Glauber tinha um potencial de se autopromover que não sei se era consciente ou inconsciente. Entrar no Festival de Cannes com aquela capa do Antônio das Mortes, completamente nu por baixo, é uma forma de chamar a atenção pra si. Um marketing da zorra. Ainda mais um brasileiro lá, né? “Este cara é gênio”. Glauber foi o deus e o diabo do cinema baiano.

CineCachoeira

Você conseguiu atingir o seu sonho que era sobreviver do cinema? Foi possível naquela época conseguir essa independência?

Oscar Santana

Independência, não, porque a minha grande batalha, como eu expliquei, era continuar fazendo um filme atrás do outro, tanto que no planejamento da Iglu Filmes eu iria dirigir o próximo filme depois de Redenção. Mas veio Glauber e Barravento. Aí teve uma confusão e o Roberto acabou dirigindo A grande feira e, em seguida, Tocaia no Asfalto. Resolvi sair da Iglu Filmes e fundei a Sani Filmes, para realizar O caipora. Na Sani, ajudei Roberto a realizar outros filmes.

CineCachoeira

Esses filmes deram publico? Como conseguiram exibir? Tinha abertura no mercado exibidor?

Oscar Santana

Deu, esses filmes se pagavam, porque eles eram baratos. Aqui na Bahia a gente tinha um grande amigo, que era Francisco Pithon, dono de uma rede de cinema. Ele não era só dono: também representava uma distribuidora americana. Começou dono, depois teve que vender uma parte para os americanos, mas era ele quem mandava no cinema. Isto tem muito a ver com o progresso do cinema baiano, ou melhor, com o surgimento e a manutenção do cinema baiano. Luis Severiano Ribeiro comandava todas as cenas de espetáculo no Nordeste, menos na Bahia.

CineCachoeira

Ele era o dono da Atlântida?

Oscar Santana

Ah, sim, era o dono da Atlântida, mas aqui na Bahia o Pitombo comandava. Então, a gente tinha acesso, ele facilitava a vida da gente até para ver copião quando chegava do laboratório. Contávamos com a competência dele para ver o que produzíamos. Ele dizia “meus filhos, vocês estão acabando com o carvão”. Pitombo também exibia nossos cinejornais. Para produzir Barravento, eu fiquei mantendo dois cinejornais, Bahia na tela e Brasil, nosso jornal. Cobrava 20 mil cruzeiros para cobrir a abertura de uma loja, o lançamento de algum produto, porque sempre acontecia alguma coisa no meio da semana. Com o lucro, dava pra fazer os dois jornais seguintes e o que sobrava ia para os filmes da Iglu. Era uma maneira de auto-sustentação.

CineCachoeira

Atualmente tem algum projeto?

Oscar Santana

Tem um filme que estou captando recursos para fazer que se chama Brasilianas. Eu escrevi sete histórias que se passam nos dias de hoje, mas com sentimentos de cinquenta anos atrás. Trago para o dia de hoje uma observação de deterioração de comportamento passada pelos brasileiros: honestidade, sinceridade e solidariedade. Não estou falando de solidariedade de Criança esperança, não, mas aquela solidariedade individual, que, quando vê uma pessoa caída na rua, socorre. A gente perdeu muita dessa essência nos últimos tempos. Quero mostrar isso tudo em forma de comédia: sem doutrina ou reclamação. Gostaria de comemorar os cinquenta anos de Redenção com este filme, mas ainda não consegui captar os cinquenta por cento necessários para iniciar.

CineCachoeira

Você tem assistido ao cinema atual, da nova geração? O que acha?

Oscar Santana

Acho que o cinema está encontrando o rumo certo. Porque não adianta condenar os franceses, os italianos e os americanos pela tomada de nosso mercado. A culpa é exclusivamente nossa. Eu vou só dar um exemplo: eu entrevistei o César Maia para um documentário e ele disse que gastou não sei quantos milhões para promover o Rio de Janeiro lá fora. No mesmo ano foram lançados Cidade de Deus, Central do Brasil… Foi dinheiro jogado fora, porque, no dia seguinte, as manchetes todas dos jornais recomendavam aos europeus não comprarem passagem para cá. Então, a gente se especializou em se autodepreciar. Virou um cancro da época da ditadura. Mas com a democracia vamos se queixar de quem? De ter votado errado? Pegue A Vida é Bela e compare com Central do Brasil. O Benigni primeiro transformou a pior tragédia em comédia e, depois, fez com que a criança nem bebesse daquela fonte para não ter que se envergonhar no futuro; no Central do Brasil, nós temos um garoto sendo vítima da exploração da ignorância. No final, você não tem muita certeza se ele não vai fazer o mesmo com outras pessoas. O que se conclui disso? Este país não tem jeito. Ele foi explorado e vai explorar outro depois e depois e depois… Vale a pena semear isto na cabeça do espectador? Temos de mostrar que somos capazes. Beleza e honestidade também dão prêmio em festivais internacionais.