Por Maíra Silva Conde Fernandes
Girimunho gira em torno da vida cotidiana de Dona Bastu, que recentemente ficou viúva do ferreiro Feliciano e busca a calma através de lembranças e sinais do dia a dia. Tem grande apego à vizinha Maria do Boi, que carrega a tradição nos tambores e luta para que isso não morra, além de seus netos, que trazem a novidade consigo. Bastu transforma-se durante o filme num ritmo tranquilo como o do rio, trançando a fantasia com a realidade, a tradição com a novidade.
O filme é um trançado entre a ficção e o documental, as personagens interpretam a elas próprias em seus cotidianos, cruzando com fantasias e realidades. Os diretores Clarissa Campolina e Helvécio Marins Jr. mostram-nos que a fantasia é parte da realidade daquelas personagens e através destas é que o filme e as transformações se dão.
Bastu tem na fantasia uma forma de viver. Após a morte de Feliciano, a viúva continua a ouvir os sons do ofício do falecido e, como se estivesse presente, conversa com ele, fala que não tem mais porque ele continuar trabalhando, até que decide dar embora os seus pertences para que ele não volte mais. É como se a fantasia de tê-lo por perto confortasse seu luto. Bastu nos conta também que é protegida por um grande peixe dourado, o qual já salvou sua vida uma vez. Assim como todos nós, a senhora sente a necessidade de se sentir protegida, busca suas necessidades na fantasia.
“O tempo não para, quem para somos nós”, diz Bastu em certa altura do filme. Com o rio como metáfora, pois também não para, mas que tem seu ritmo calmo e tranquilo, as transformações da senhora se desenrolam no filme. É no mesmo rio que Bastu se desfaz dos pertences do falecido marido, que vão afundando em seu tempo, assim como o luto da viúva. As transformações do mundo não param, mas a personagem “para” em seu tempo.
Girimunho respeita o tempo “morto”, o que nos aproxima do tempo “real”. É como se vivêssemos as transformações com a personagem, é como se estivéssemos tendo o tempo necessário para digerir todos os redemoinhos da vida, assim como Bastu necessitou.
Essa mistura de sons e silêncio, de tempos “mortos” com ações, forma a maior riqueza do filme, que mesmo sendo ficcional, criando curvas dramáticas, respeita o tempo dos acontecimentos, das transformações. É um trançado do respeito do documentário, com a magia da ficção.