Por Gleydson Públio
A sociologia, segundo Giddens, “é o estudo da vida social humana” (GIDDENS, p.24, 2005), e usando tal definição podemos analisar aspectos do filme Narradores de Javé, pois ele nos faz refletir sobre vários aspectos de nossa sociedade. O presente texto faz uma breve análise do filme e apresenta alguns fatores que são mostrados na narrativa que reforçam esta característica.
O filme Narradores de Javé, de direção de Eliane Caffé, conta a história de um lugarejo no interior da Bahia, que brevemente será alagado pelas águas de uma represa, e de seus moradores que lutam para que suas memórias e histórias não sejam inundadas e se percam no esquecimento do progresso. Na perspectiva de evitar essa catástrofe, seus moradores encontram uma solução: a de escrever um livro sobre o Vale do Javé, o que tornaria o lugarejo patrimônio da humanidade, evitando assim sua destruição. Mas como escrever se os moradores de Javé são analfabetos? Recorre-se, então, a Antônio Biá, que é responsável pelo correio da cidade.
O filme começa com o personagem Zaqueu (Nelson Xavier) contando a história do lugar onde nasceu e cresceu para um viajante, que perdeu a embarcação em que iria seguir caminho. Zaqueu narra os fatos ocorridos naquele vilarejo de forma tão eloquente que parece estar realmente revivendo aquelas histórias. O curioso é que no decorrer do filme percebemos que nem sempre Zaqueu estava presente no momento em que as histórias ocorreram, pois ele era o represente de Javé e vivia em negociação com os engenheiros da represa, e também buscava os mantimentos e demais acessórios para as pessoas daquele lugar. Então podemos entender que as histórias que ele narra não são somente as que ele viveu, mas sim as narrações que outras pessoas lhes fizeram a respeito do que acontecia enquanto estava fora da cidade.
Outro personagem de grande importância no filme é Antônio Biá (José Dumont), que foi encarregado de escrever o “livro da salvação” de Javé, livro este que seria uma oportunidade de tentar impedir a construção da represa, e o fazendo, Biá tem a oportunidade de se redimir com a população de Javé, ele que outrora fora expulso da cidadela por ter escrito e enviado inúmeras cartas falando e inventando coisas sobre a vida das pessoas daquele povoado para assim manter seu emprego de agente dos correios. De maneira irônica, a salvação do lugarejo estava nas mãos daquele que usou da vida alheia para salvar o emprego. Biá sai então em busca dos depoimentos dos moradores do seu povoado, de casa em casa Biá escuta as mais diversas histórias de Javé e todos querendo que a versão escrita seja a sua, uma confusão atrás da outra e Biá muitas vezes usufruindo do seu posto de escrivão para obter benefícios em seu favor. Toda uma esperança de um povo é criada em torno desse livro, no entanto o que acontece é que Biá mais uma vez decepciona aquela gente que tanto queria continuar vivendo em sua terra, ele não escreve o livro e o filme tem seu desfecho com a inundação e destruição de Javé. Depois de toda a tragédia, Biá começa a escrever o que ele dizia ser a segunda parte da história de Javé.
Um filme extremamente cômico e maravilhoso do início ao fim, nos fazendo refletir sobre infinitos aspectos vividos por pessoas que não tem escolaridade, que são excluídas da sociedade, que vivem no alto sertão e distante da “civilização”, e que querem a todo custo manter viva suas memórias, seus valores e, principalmente, sua identidade. Analisar esse filme nos faz refletir sobre a dissipação da memória e identidade de um povo.
“A cultura tem um papel importante em perpetuar os valores e normas de uma sociedade” (GIDDENS, p.40, 2005):essa frase de Giddens nos aponta para o filme Narradores de Javé de forma que compreendamos o porque da preocupação daquela gente em não perder somente suas terras, mas a identidade que construiram ao longo dos anos naquele povoado, pois os costumes, a cultura e os valores são as maiores riquezas que alguém pode ter na vida, e esse desejo dos moradores de Javé fica evidente no filme.
Mesmo sem saber ler ou escrever, um grande fato que ainda assola a sociedade contemporânea, os moradores do Vale do Javé tem suas memórias escritas no seu consciente, mas isso não é suficiente para que o progresso apague de vez as memórias daquela gente. Segundo Giddens “A socialização é o principal canal para a transmissão da cultura através do tempo e das gerações” (GIDDENS, p.42, 2005). Assim é que o povo de Javé mantinha viva sua história, sua cultura e identidade, pois estavam naquele lugar há muitos anos e sempre passando de geração para geração suas histórias para que essas não se perdessem com o passar dos anos.
“A ciência e a tecnologia influenciam e são influenciadas por fatores políticos e culturais”(Giddens) – Assim como diz o sociólogo, podemos ver no filme de forma que possamos analisar suas consequências, pois a construção de uma represa apagará as memórias de um povo, sua cultura e identidade. Essa obra é fruto dos interesses políticos no sertão, reflexo de uma sociedade consumista que precisa a cada momento de mais fontes de energia e se esquecem dos valores daqueles que vivem a parte da “modernidade”.
Portanto, ao analisar esses aspectos do filme, fazemos uma reflexão sobre a nossa sociedade, que muitas vezes vivencia situações semelhantes. Conforme diz Kathryn Woodward: “a globalização envolve uma interação entre fatores econômicos e culturais, causando mudanças nos padrões de produção e consumo, aos quais, por sua vez, produzem identidades novas e globalizadas” (SILVA, p. 20, 2000).Todas as temáticas apontadas pelo filme nos mostram parte dos problemas enfrentados no mundo contemporâneo, o choque e o amalgama entre a cultura legada pela tradição e as necessidades de um mundo globalizado.
Gleydson Públio é aluno do 5 período do curso de cinema da UFRB.
BIBLIOGRAFIA
GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.
Os filmes nacionais são ótimos, mas infelizmente a grande massa prefere dar ibope aos filmes estrangeiros..
É nosso néo-realismo tipo italiano,nossa nouvelle vague mas puramente nacional e descolado da mediocridade televisiva….embora com atores de TV e outros novatos,mostrando que somos BONS de CINEMA!!! Devia ser passado e estudado nas escolas e espaços populares como aconteceu com VIDAS SECAS O AMULETO DEOGUM, A RAINHA DIABA ,CHUVAS DE VERÃO tão esquecidos…e o cinema continua com o Nós no Morro,Benza Deus!!!