A NOVA FORÇA DOS ANIMES
Por João Marciano Neto
As animações japonesas estão há muito tempo presentes no mercado do entretenimento do mundo ocidental e já deixaram de ser focadas apenas no público japonês. Muitos devem ter conhecido ou assistido alguma, em geral, títulos bem mais populares como Os cavaleiros do zodíaco, Dragon ball, Pokémon, Yu yu Hakusho, Speed Racer… Há um grande crescimento da aceitação e da procura destas animações da cultura pop oriental, principalmente com o advento da internet, que facilitou o acesso aos títulos que não chegam aos nossos canais televisivos. Cada vez mais este traçado oriental tem conquistado jovens que acabam entrando de cabeça neste universo que não se difere tanto das convenções tanto de filmes como dos quadrinhos. Não será explorado seu surgimento, mas sim seu colossal crescimento nos últimos anos, ao analisar ponderadamente alguns de seus maiores e recentes sucessos.
Antes de qualquer coisa, é válida uma leve introdução para aqueles que estão entrando em contato agora com este tipo de produção. Depois da Segunda Guerra, a ocupação americana no Japão influenciou o desenvolvimento, a cultura e a arte do país, especialmente das animações dos estúdios da Disney. Em 1967, já se iniciava a produção de animes com alguns títulos já tendo boa repercussão mundial, como A princesa e o cavaleiro e o já mencionado Speed Racer. A animação japonesa não possui apenas o foco infantil, sendo várias de suas produções destinadas ao público jovem e até mesmo adulto, abrangendo vários gêneros que vão do romance ao terror. Basicamente há três formatos: a série, o filme e o OVA (Original Video Animation), e a maioria das séries consiste em adaptações de mangás. Este ramo da cultura nipônica acaba sendo mais frequente, e até mesmo mais intenso, em países que possuem em sua história a migração de japoneses, como o Brasil e os Estados Unidos, sendo estes os maiores consumidores deste material fora do próprio Japão. E justamente por possuírem características diferentes da que conhecemos, sempre acabam recebendo destaque e atenção sem muito esforço.
Certamente, é na infância que se mais consome desenhos animados, mas diferente dos que são feitos nos EUA, os animes fornecem uma progressão que mantém o espectador, já que gera animações para os diversos níveis de maturidade e faixa etária. Isto é uma das principais estratégias para o constante aumento na procura por animes, uma vez que muitos jovens passam a ter esse interesse e boa parte o mantém. Não é exagero afirmar que existe, sim, animes para todos os gostos possíveis, sejam simples ou bizarras, pois isto é uma realidade que fornece amplitude. Resumidamente, o sucesso deste setor se baseia na diversidade de conteúdo associado às diferenças de costumes, pensamentos e censura, sendo um dos vários questionamentos a razão da violência empregada. De qualquer forma, a procura aumentou e, com isso, a aceitação e a popularização também obtiveram grandes avanços ao ponto de até mesmo um pôster de Death note aparecer na novela das nove. Por esta razão, vale discutir sobre os títulos de maiores sucessos destes últimos anos.
Começaremos com o que mais fez sucesso e também um dos títulos mais importantes a serem abordado entre os selecionados: Death note. Mas antes de entrarmos nele é necessário relembrar a contribuição do extinto canal Animax. Fundado em 1998 e encerrado em 2011, o Animax foi um canal cuja programação consistia apenas em animes e em filmes neste formato, isto foi um grande veículo para que se iniciasse o movimento otaku, pois apesar de se submeter à censura dos outros países, fornecia uma grande variedade de títulos que receberam destaque e não sofriam os cortes da televisão aberta e de outros canais. Neste período, mesmo com as contradições e a futura decadência, o impacto deste canal foi imenso, pois foi um dos principais meios de iniciar o atual público otaku. Certamente, a programação do Animax explorou a exibição e as inúmeras reprises de Death note. A razão pela qual a história escrita por Tsugumi Ohba ainda se idolatrada não se limita a uma causa, mas várias, entre elas pela trama ser muito bem elaborada, o visual que remete ao terror, personagens com alto grau de inteligência e o clima policial, além do fato da inversão de valores, visto que o protagonista é o “vilão” da série. Esta inversão e o enredo muito bem escrito que ostentam a reputação do título, abrangendo uma constante tensão e uma batalha intelectual impressionante. O desempenho dos estúdios Madhouse auxilia bastante na criação do visual, que também surpreende, mas a chave de Death note é a trama brilhante que se estende por 37 episódios.
Mantendo a ideia de que bons enredos criam público, podemos aproveitar e ainda mencionar Mirai Nikki. A trama conta com várias reviravoltas por se basear numa disputa para se tornar o novo deus onde seus doze participantes podem, cada um de modo distinto, prever de alguma forma o futuro. A história surpreende, mas o que mais chama a atenção é a violência e a intensidade da protagonista Gasai Yuno, um stalker obcecado e psicopata. Isto volta ao questionamento sobre o uso da violência neste tipo de animação. Para os mais conservadores, Mirai Nikki (Diário do futuro, título da mangá que originou a série e em publicação aqui no Brasil) é um dos casos em que a agressão e o assassinato são mostrados de forma tão frequente que quase chega a uma banalização. Para o enredo, isto cabe visto que esta disputa se baseia num jogo de caça e sobrevivência, que acaba sendo manifestada de forma brutal, sendo equilibrada pelos elementos de mistério e a tensão presente na trama. Mas Mirai Nikki faz sucesso pela violência ou pelo enredo? Este é um ponto interessante, e a resposta não pode deixar de ser muito satisfatória: pelos dois. Tanto Mirai Nikki, quanto Death note não são animes para crianças, sendo direcionada para o público a partir de dezesseis anos, e ambos são shōnen, ou seja, voltados para o público masculino. Filmes desta faixa etária também apresentam uma violência mais acentuada, porém, as produções japonesas tendem a serem mais extravagantes.
Questionar a violência nos animes é o mesmo que questionar a violência nos filmes de ação e de terror, que é algo que atrai o público masculino. E o que acaba tornando as animações nipônicas mais interessantes é justamente por não terem essa preocupação, e por serem ficção, podendo ser propositalmente exagerada juntamente com o físico dos personagens. Claro que a sensualidade e a sexualidade presente nos ecchis (que não implica em sexo explícito ou propriamente erótico) também é um artifício usado de modo similar, como pode ser visto claramente em Highschool of the dead, mas não trataremos disso. Mirai Nikki conta com uma postura que sustenta sua agressividade e seu lado emocional, o que a torna uma história com elementos trágicos e nos leva a outra característica que torna os animes tão populares: a intensidade. Neste ramo, é quase uma regra contar com um maior apelo emocional, e as brincadeiras e as excentricidades supervalorizadas, e por mais impressionante que possa vir a parecer, isto auxilia muita na hora de envolver o espectador, que rapidamente simpatiza com algum personagem. Animes são bem mais emotivos do que as animações ocidentais, e mesmo os que possuem menos a oferecer contam sempre com alguma postura ou momento de seriedade. Isto pode ser visualizado até mesmo nos títulos infantis.
Outro ponto que torna o mercado dos animes tão vasto são suas ligações com a música e outros títulos. Na maioria dos casos, as aberturas e os enceramentos possuem a canção feita por algum artista ou grupo musical J-Rock ou J-Pop. Lembram que havia sido comentado que o consumo de animes é mais intenso em países que tiveram considerável migração japonesa? O contato com a cultura pop nipônica realmente influencia, principalmente com a aproximação entre a música e a animação. Um caso bastante interessante e mais notável sobre esta relação é Black Rock Shooter, que surgiu como um vídeo musical e se tornou um OVA que, por fim, resultou em uma série programada de oito episódios. A ligação de Black Rock Shooter com a figura musical Hatsune Miku é quase instantânea, pois existe desde o começo, já que Hatsune Miku é uma das vozes do sintetizador musical Vocaloid. Além disso, é comum que obras que saiam do mesmo autor citem umas as outras, ou então uma série insinuar outra. De certo modo, o mercado dos animes é muito conectado, provocando e estimulando o espectador a aumentar seu repertório. O mesmo acontece bastante dentro do universo dos quadrinhos norte americanos das editoras Marvel e DC Comics.
Em quase cinquenta anos de existência deste mercado, obviamente que o público ocidental acabaria influenciando, surgindo assim animes que possuíssem uma maior “ocidentalidade”. Títulos como Fullmetal alchemist e o recente Shingeki no kyojin contam com uma ambientação inspirada no padrão europeu, mesmo que vários elementos orientais coexistam. Isto talvez esteja bem mais claro em Shingeki no kyojin, mas Fullmetal alchemist não deixa de ser outro bom exemplo. Além dos cenários, isso também se manifesta nos nomes dos personagens (Edward Elric, Eren Jaeger). Ambos são adaptações de mangás, mas a ligação entre o impresso e o animado é bem próxima, mesmo que às vezes a animação se distancie da história. Além de possuírem um enredo interessante, o que chama a atenção é justamente este deslocamento, sinal de que existe ciência do crescimento deste mercado, e esta estratégia ainda se demonstra eficiente em ambos os lados. Para nós, um anime onde podemos sentir mais semelhança com nosso mundo, para eles, uma animação que se difere justamente por escapar da constante ambientação dentro dos cenários japoneses já tão explorados. Mas também é possível ver casos em que as características ocidentais são implantadas de outro modo, como em Code geass, que se passa em um Japão sob domínio britânico. Esta estratégia não costuma ser utilizada com frequência, mas vale ressaltar que os títulos que a utilizam conseguem uma atenção maior.
Com a ascensão da internet, tornou-se possível ter ainda mais acesso às temporadas das séries e aos títulos que não chegariam às nossas mãos de outro modo, e como muitos não dominam o idioma original destas produções, os próprios fãs que entendiam se organizaram e passaram a legendar os animes para os demais, independente de distribuidora, repassando-os em seguida gratuitamente para a rede. Esta união é outro ponto merecedor de atenção, pois mesmo havendo discordâncias e rivalidades como no meio dos fanboys, sempre existiu esta cooperação, visto a recorrente e antiga dificuldade de se conseguir encontrar e assistir as animações. Obviamente que houve aqueles que lucraram e lucram com a comercialização destas gravações, mas isto permitiu o surgimento de sites especializados e exclusivos de download de animes, e mais recentemente, sites para assisti-los online gratuitamente, como o Anitube e o Anime Doki Doki. Não foi só facilitado o acesso, mas também a comunicação e a capacidade de indicação e de formar o novo consumidor. Eis mais uma das causas do crescimento da popularidade dos animes, a facilidade de aproximação com as séries e com pessoas com o mesmo interesse. Externamente isto resulta em encontros em grandes eventos voltados para esse público, como o famoso Anime Friends, e no estabelecimento de lojas que acompanhem esse estilo, gerando todo um comércio como o encontrado, por exemplo, em alguns pontos no bairro da Liberdade, em São Paulo, que conta com uma forte presença da cultura nipônica, sendo um dos mais comuns pontos de encontro dos admiradores e simpatizantes dos frutos da cultura pop oriental.
Alguns chegam a encarar a valorização do anime como uma resposta contrária a já antiga valorização dos quadrinhos norte americanos. De certa maneira, até que esta afirmação tem base e pode ser vista como coerente, já que uma tendência normalmente surge para contradizer e/ou combater a anterior. A escapada dos padrões ocidentais e uma atração pelos padrões orientais em relação ao entretenimento não chega a ser ruim, visto que em nenhum dos casos o indivíduo deixa de demonstrar interesse pelo que tem contato desde que nasceu. A pessoa que assiste anime também vai ao cinema ver um filme hollywoodiano, lê livros que estão em alta no momento e joga videogames como qualquer outro. É antigo o preconceito e a rejeição, e essa discriminação ainda persiste, mas temos que lembrar que anos atrás o mesmo era feito com quem apreciava as HQs e os videogames, e hoje isso se tornou tão popular a ponto de até supervalorizar a figura do nerd. É possível que no futuro, com um declínio gradativo das atuais potências ocidentais e seus valores, não significando sua extinção ou total perda, o mesmo venha ocorrer com a figura do otaku.