por Thacle de Souza
Avanti Popolo (SP, 72′), de Michael WahrmannUma metáfora tão própria ao filme. Uma longa cena à noite na qual um carro segue por ruas em zigue-zagues. Um trajeto demasiado errante, anúncio de uma fábula labiríntica, fadada a interrupções. Apresentados como pai e filho, Carlos Reichenbach e André Gatti contracenam, contando também com a presença de Eduardo Valente e Marco Bertoni. Afinal, o filme se volta a não-atores, pessoas ao redor, a partir de uma ideia de encenação cujo realismo é exatamente contrário à artificialização dramática.Cinema subdesenvolvido é assim mesmo, faz com o que pode (limitação vs criatividade). O homem com uma câmera não filma mais, para que avance o cinema em seu movimento de retorno e mudança: dá-se o novo dogma. Se Avanti popolo se traduz no hino comunista “Avance o povo”, a voz do radialista (o Michael Wahrmann) é interceptada por uma angústia, o fracasso em uma multidão solitária. A experiência de ressignificação de Marco Bertoni: o Dogma 2002, mais radical, em que não se pode mais filmar e a volta ao passado é ardilosa, ironizando a ditadura militar com uma dublagem surreal – com as artes plásticas e cabeças cortadas (Glauber?). A direção do filme em si é ostentação de uma desarticulação narrativa e histórica, um embate sobre o não-filmar (nessa esfera da reconfiguração crítica ao que já foi filmado). Abdicando de personagens e situações em uma extensão econômica e desmotivando a ação na perduração do tempo sem cortes.
Evidencia-se a questão do tempo, embora eu prefira observá-la de um lugar que não seja o da materialidade temporal na diegese – entretanto, é factível observar as texturas desgastadas nas paredes da casa, a intercalação de tempos históricos e simbólicos (a partir das imagens com visual de 8mm), a extensão dos planos na permanência dos atos. Se o filme aponta para o não-fazer ou não-filmar, está situado em certa escala desse cinema na dissolução temporal, embora esteja também na resistência da forma que revela um certo fim do cinema. A narrativa é uma experiência ambígua, prevalecendo um sentido do inóspito, um senso confuso de dispersão na infraestrutura, entre os corpos imagéticos que se encontram e se oprimem na existência mútua. O filho retorna à casa, mas é um sentido de desencontro que paira no ar, uma divergência traduzida como conflito de acasos. A família na projeção sedimenta-se em retratos de outros tempos (caoticamente) pelos confrontos familiares vs distanciamento e movimento popular vs repressão (a memória em sua dimensão política), nas imagens em arquivo da ditadura militar, surtindo uma paisagem de esvaziamento, ruptura e subversão. Em depoimento, Michael Wahrmann (prêmio de direção em Brasília com Avanti Popolo) fala sobre realidade e falsidade no âmbito da experiência fílmica. Enquanto intermediador, o diretor desmembra essa faculdade causal para um preenchimento espelhado na relação distanciada com os personagens, o ato cinematográfico e a História. O processo, de baixo custo, foi filmado com uma 5D e proporcionado por um edital para curtametragem, que deu suporte à realização do longa.Um colapso da memória compartilhada. Os mortos estão mortos e continuam sozinhos, vide pai e filho.
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Michael Wahrmann fala sobre Avanti Popolo.