por Thacle de Souza
Trabalhar Cansa (SP, 99′), de Juliana Rojas e Marco Dutra
Quarta-feira, tarde. Acomodava-me à sessão do último dia do Panorama. Uma mostra específica, fora da competitiva, com Trabalhar Cansa, de Marco Dutra e Juliana Rojas (que também ministrou uma oficina de direção, pendendo mais para o roteiro). O filme foi lançado em 2011, precedido por um histórico recente dos diretores em Cannes, com dois curtas metragens em dois anos seguidos e esse longa selecionado para a mostra Un Certain Regard.
[vimeo 78937743]
Como já é conhecida a produção relacionada a Filmes do Caixote, fruto de uns amigos da USP (Caetarno Gotardo é responsável pela montagem deste), o enfoque está em uma narrativa de gênero, mas, diferentemente de O Duplo, na qual a história se basta como suspense, em Trabalhar Cansa o gênero vem adornado pelas questões da classe média, a relação patrão-funcionário (na empregada doméstica e nos funcionários do mercado), o desemprego, posição de hierarquia, gênero (o mercado como emancipação da vida doméstica), etc. Algo que antecedeu a chegada de Domésticas e O Som ao redor, de certo modo. Somos apresentados a um cotidiano pontuado mais pelas dubiedades de caráter, fragilidades e imperfeições: os papéis sociais não são constantes, nem fixos. Esse estereótipo que camufla o conflito entre classes e interesses é remodelado para que as relações de poder se tornem mais evidentes.
O fantástico aparece na forma de um mistério no mercado, a presença extradiegética de cães sempre latindo, intensificando-se principalmente nos momentos finais, até então focalizando na tensão entre patrão e empregado e nas microrrelações de poder. O marido é demitido e a mulher tem que demitir um funcionário, um movimento natural e que impõe a seus personagens uma cordialidade e um amargor arbitrários. A diretora mencionou Helena como um nome comum a personagens de novela, patroas carinhosas sem tensão de classes, para justapor esse conflito na transformação de realidades.
O filme hoje é exibido pela HBO em território norteamericano e é distribuído com uma tiragem limitada. Fracassou no Multiplex, decaindo progressivamente na mão dos exibidores. Penso sobre certa insatisfação que o enigma em torno daquela figura monstruosa nutre. O filme caminha por entre dois públicos, o de festival e o popular, porém não lhe rende um retorno suficiente a partir do envolvimento dramático: o que é aquele monstro (uma metáfora), os cães, a situação do marido, o supermercado? A fera permanece um culto ao sinistro, emparedada (tensões ocultadas), o homem tornado besta, um animal furioso e na falsa onipotência para o mercado de trabalho selvagem – o homem da classe média no inferno do ambiente urbano.