COBERTURA PANORAMA – SESSÃO ANIMAGE II (CURTAS ERÓTICOS)

por Thacle de Souza

 

vida sexual dos dinossauros

A Vida Sexual dos Dinossauros (Bélgica), de Delphine Hermans

Sentei-me para tomar uma cerveja na rodoviária, recanto defronte ao rio Paraguassu, atônito com a irreverência da sessão de animações eróticas. Preservava aquela ansiedade pela próxima sessão, com Tatuagem, de Hilton Lacerda. Divaguei outra vez sobre os corpos, sobretudo corpos em mutação pelo imaginário permitido pelas técnicas da animação. Ao meu redor discutiam acerca de Rosette (França), de Romain Borrel, Gaël Falzowski, Benjamin Rabaste e Vincent Tonelli, animação de modelagem em 3D, de refinamento visual, que não havia me atraído tanto, mas eu permanecia atento às palavras de minha namorada, mencionando o desespero em relação ao casamento daquela mulher que via um mundo mutante, transformado em peças de carne, inclusive o seu filho bebê e o seu marido. Um humor tão despojado quanto A Vida Sexual dos Dinossauros (Bélgica), de Delphine Hermans, em que dinossauros fazem sexo, dinossauros batem boquete, ficam de quatro, labuzando-se por uma sexualidade comum em um filme que desperta contra o misticismo nas relações corporais (dinossauros também transam!). Assim como Crow’s Nest (Reino Unido), de Robert Milne, no que seria uma representação icônica da dissimulação pelo sexo. Nesse curtíssima em preto e branco, um pássaro faz seu ninho roubando gravetos do ninho de outro pássaro até desmontá-lo completamente. Enfim, já que o pássaro constrói seu próprio ninho, captura um outro pássaro para uma transa anárquica, na consumação da relação capital (a posse do ninho) versus amor.

Nessa dimensão despojada há o único filme brasileiro da sessão: Deu no Jornal, de Yanko del Pino. Desenhos e voz surgem em uma masturbação mental sob manchetes pornográficas em jornais. Descrições variadas de mulheres em forma de anúncios fundem-se com ruídos em uma cacofonia intensa. Ou ainda, How to Make Love to a Woman (EUA), de Bill Plympton, um guia ilustrado de sarcasmo sobre como são os olhos, cabelos, pescoço, narinas da mulher. Sobre como abordar uma mulher. Sobre abraços, mamilos, excitação e sexo. Uma paródia escancarada de um método perfeito de amar, em que o homem é sugado, engolido, regurgitado pela mulher em sua tentativa cafona de padronizar o afeto. Distração da sensibilidade.

Peach Juice (Canadá), de Brien Lye e os dois capítulos de Teat Beat of SexHair e Trouble (Rússia), de Signe Baumane, aproximam-se às questões sexuais de um universo jovem. Peach Juice é um filme bastante singelo sobre um garoto que descobre seu tesão pela tia. Masturba-se enquanto faz o suco de pêssego ao observar a tia em uma erotização dos alongamentos, esticada na areia da praia. Já o primeiro Teat Beat of Sex foi exibido sem legenda (chegando assim para a projeção em Cachoeira), embora seja muito fácil discernir o seu discurso pelas opções visuais. A voz (da realizadora?) que permeia ambos os curtas (como capítulos de um mesmo projeto, assemelham-se nas opções estilísticas) discorre falando sem parar como uma confissão necessária, urgente e explosiva. O embate aqui são os cabelos vaginianos: pasmem se parece um tema mínimo, pois é nada menos que esse furor tão recente nas redes sociais, transformando em polêmica a escolha de Nanda Costa em seu ensaio sensual. Peluda, encabelada, cabeluda e guedelhuda, tantos predicados moralizadores para uma escolha da intimidade. Pois é, pais e namorados, beleza não é só caso de entretenimento. Sem essa de “mata vaginosa”, em um escrúpulo antes enquadrado pela descaração que oprime a escolha por corpos libertários na ascenção de concepções múltiplas do belo e do prazer. É tanto que o segundo capítulo, Trouble, discorre sobre algo tão próximo para uma jovem: a censura e a repressão da masturbação feminina. Na narrativa, a jovem acaba casando-se com um homem tão estranho a si mesma, pelo fato de precisar abster-se de experiências mais abertas e de conhecer seu próprio corpo antes da experiência profunda do matrimônio. Após separar-se de seu marido, a jovem diz: “mãe, você estava errada”. Doravante, a sua consciência repele o medo e a vergonha, pela intimidade a consentir o autoconhecimento.

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Laska (Polônia), de Michal Socha

Cativaram-me na sessão as alternativas – quando não dissolvendo a narrativa completamente – de materializar a dimensão do prazer e da modelação abstrata de corpos. Inicialmente em Hammam (França), de Florence Miailhe, um quadro de acontecimentos, com corpos femininos em mudanças frequentes como artifício: magras, baixas, altas, gordas. O corpo modela-se conforme a música para um encontro casual de todas as possibilidades do físico da mulher. Um caso de epifania da nudez com um aspecto lúdico e ritualístico. Assemelha-se bastante a outro filme da sessão: Im Rahmen (Alemanha), de Evgenia Gostrer. Esse é como um tableau vivant em massinha, nitidamente uma outra representação do sexo em que as formas se desintegram em uma relação sensorial e o corpo é sempre fragmentos em transformação densa, nunca um único corpo inteiro. Laska (Polônia), de Michal Socha, surge em tons de vermelho, preto e branco. A narrativa tem um encontro como envoltório. Uma mulher se arruma, um homem aparece, cigarro, fogo, bebida, ambos à mesa. Uma dança sensual e o sexo como uma experiência visual intensa, arremessando-me a um dos trechos mais instigantes da sessão. Essa tradução abstrata da relação sexual carrega em sua subjetividade uma performance tão interior e desestabilizadora, como se a animação encontrasse um timing perfeito para a interpretação da materialidade, pelas nuances do imaginário. Ao final, o homem sai do quarto da mulher e passa por uma fila imensa de outros homens que aguardam sua vez. À mulher, amante artificial, o tempo é uma insistência fugaz para o que seja viver esse momento intenso centenas de vezes, ao passo do ciclo mercadológico da satisfação.

Tram

Tram (França), de Michaela Pavlatova

Tram (França), de Michaela Pavlatova, encerrou a sessão. Preto, azul e roxo (como disparidade e erotismo) dominam a animação. Em um estilo particular, pela iluminação principalmente, a narrativa desenrola-se acerca de uma mulher, motorista de ônibus, no cotidiano de seu trabalho. O que é um evento trivial, torna-se uma viagem violenta pelo desejo, enquanto homens entram no ônibus e o ato de passar o cartão na entrada remete a um ato sexual, delimitando uma súbita e violenta mudança, fazendo-lhe tirar a roupa e enlouquecer nessa tensão crescente. Quando os passageiros descem, o último homem move-se devagar, tão devagar que se permite enlaçar-se à mulher. Quando ambos se relacionam: o órgão sexual feminino transforma-se em um botão, para o encerramento ou consumação do ato: uma variável confusa em que o sexo esteja tão próximo de se tornar mecânico ou tão irrisório como um complemento para a solidão.

Faltou apenas Braise na exibição. Mas não nos faltaram certos momentos de imersão na nossa própria corporalidade expandida pelo imaginário, por uma relação menos catártica do que é comum a todos nós, como o cu democrático em Tatuagem, completando as sessões panorâmicas libertárias desse dia.

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