Calma, Monga, Calma
Por Tiago Araújo
Recife parece ser o palco ideal das mais pitorescas narrativas da atual cinematografia Brasileira. A capital Pernambucana vive a glória de um cinema que busca nas mais diferentes e inusitadas situações uma reflexão que vai além do que é apresentado na sua diegese. Crítico, irônico e não limitado às convenções narrativas vigentes, é um cinema que extrapola os limites comuns entre o trivial, o banal e o real.
Exemplos de tal feito encontramos no Em trânsito, de Marcelo Pedroso, O vinil verde e Recife frio de Kleber Mendonça e Calma monga calma, de Petrônio de Lorena. Esse último trata-se de um simiesco, marginal e estridente conto de fantasia que flerta com a cidade, seus símbolos e marcas.
Em tela nos confrontamos com a música popular brega, os programas de tv sensacionalistas com frases de efeito, o cinema privê mal frequentado, os bares e os populares com seu sotaque característico; todos esses elementos, cartões postais do cotidiano da cidade pernambucana, além de rostos conhecidos como o apresentador Sérgio Dionísio e o poeta Miró.
Calma monga calma faz com maestria o que jamais se imagina ao ler sua sinopse: uma crítica ao sistema capitalista e à própria sociedade, pincela um discurso feminista e sexista que desenlaça na tragicomédia, busca nos signos sexuais o medo calculado do corpo, do outro e do meio, o medo do desconhecido.
Animalesco e ferino, é feito na medida pra não se levar tão a sério e ao mesmo tempo ficar com a pulga atrás da orelha. Pulga essa que os humanos precisam aprender com os símios a tirar. Porém, no cinema, macacos são humanizados demais para nos ensinar isso.
Calma, clichê, Calma!
Por Raquel Vasconcelos
Poderia aqui escrever uma critica do ponto de vista social, mas como estudante de cinema (e não de ciências sociais ou antropologia) o que me chamou atenção foi sua linguagem.
O curta começa com um certo estilo de filme policial, pois se trata de um caso de uma serial killer à solta, a Monga, mulher peluda que ataca os homens em cinemas de filme pornô, bares, ônibus, etc.
O roteiro foi muito bem escrito, tenho que reconhecer, mas o cineasta abusa dos “vícios de linguagem” cinematográfica. Fica a impressão que o curta foi realizado por um estudante de cinema do 2º ou 3º semestre, onde ele tenta usar de todas as tecnicas que aprendeu desde então.
Qualquer um que lê os livros indicados para alunos do primeiro e segundo semestre de cinema, como por exemplo “Lendo as imagens do cinema”, de Laurent Julier e Michel Marie, será capaz de fazer um filme com as técnicas usadas neste.
O que pode ter faltado para o cineasta Petrônio de Lorena, foi um estudo de estética. O curta com todas essas técnicas aplicadas, misturadas, trituradas e massacradas, acabou se tornando um curta sem forma, sem uma estética definida. O autor não deixou sua assinatura, o que resultou num curta confuso no sentido da linguagem.
Se Petrônio de Lorena tentou fazer uma homenagem aos filmes da nouvelle vague, ou até a um filme policial brasileiro, muito conhecido, idolatrado, e homenageado, O bandido da luz vermelha (1968), antes não tivesse tentado.
O som, já é um caso a parte, seria possível inclusive escrever um texto de ‘como não mixar o som’ baseado no curta como caso de estudo. Foi extremamente mal mixado, ruídos e trilha musical num volume muito acima dos dialogos, dificultando assim o entendimento da narrativa do filme. Pode até possuir dialogos interessantes, mas, particularmente, não pude entender a maioria.
Acredito que a história do filme seria melhor desenvolvida se o cineasta optasse por realizar um “falso documentário” (como vemos no filme de seu conterraneo Kleber Mendonça, Recife frio) ou até um verdadeiro, como vemos no seu curta anterior Faço de mim o que quero, que tem uma linguagem melhor desenvolvida, brilhante, fato que se comprova com os prêmios que recebeu. Curta este onde usou muito bem a técnica de jump cuts (novamente no início do curta), mas parece que ele desaprendeu quando foi editar o “Calma monga, Calma!”.
Monga, a mulher gorila.
Por Celestino Pereira
Monga, ela mesma, que por anos se consagrou como a grande atração dos circos itinerantes e parques de diversão de praça que circularam por várias cidadezinhas do Brasil. Sim, ela, a mulher que se metamorfoseava numa gorila ao vivo e a cores, diante dos gritos eufóricos e olhos surpresos na sua tenda sempre lotada, ganhou uma versão trash e bem inspirada no curta do diretor Petrônio Lorena. No filme Calma, Monga, calma ela parece ter cansado da vida nômade e da exploração do seu talento e decidido se fixar na capital pernambucana.
Livre, indomada, arisca e peluda, tal qual uma viúva negra ela mata brutalmente seus pretendentes encantados por sua beleza selvagem nas noites recifenses. Com um roteiro acertado, o filme começa trabalhando uma sequência num cinemão do Recife (Cine Sex Imperador) durante uma sessão pornô. Ambiente que se configura como um verdadeiro santuário da luxúria marginalesca, boa sacada de metalinguagem, já de cara enfatizando o tema de abordagem escatológica, dada a sujeira, crueza e visceralidade que impregna o filme. Nesta sequência, assistimos a invasão da polícia ao recinto no encalço de Monga. Tendo isso como elemento de partida, o filme se desenrola focando a trama nessa perseguição, a polícia seguindo os rastros de Monga (que na tela nunca aparece por completo, o que vemos é sua aparência fragmentada) que vai deixando como vestígios, cadáveres de homens assassinados com requintes de crueldade.
Satirizando o jornalismo sensacionalista da Rádio e TV e dialogando com a famosa lenda urbana da cidade, a Perna Cabeluda, imortalizada na canção de Chico Science (e inventada pelo radialista Jota Ferreira à la Orson Welles e sua ‘invasão alienígena’) e reforçando a boa safra do cinema pernambucano, o filme muito bem humoradamente passeia pela inquietante condição entre o instinto e o humano. Sem falar na presença ilustre do poeta Miró da Muribeca que, na pele de um caricato cobrador de ônibus, aproveita bem a pontinha e não perde a oportunidade para soltar uma de suas poesias tragicômicas.