ENTREVISTA COM JOE DANTE

 

 

Viagem ao Mundo dos Sonhos (Explorers, 1985)

Viagem ao Mundo dos Sonhos (Explorers, 1985)

 

por Toni D’Angela
tradução Fernanda Aguiar C. Martins
Toni D´Angela – Os seus filmes possuem, em geral, crianças, cujo universo é forjado em torno das imagens que elas assistem na televisão, crianças essas sempre deixadas pelos pais em frente à telinha. Com o que a sua infância se parecia? A sua infância possuía igualmente sótãos, subsolos, naves espaciais e monstros?

Joe Dante – Havia efetivamente sótãos e subsolos. As naves espaciais e os monstros só existiam na grande tela. Com exceção do ano em que adoeci de poliomielite (em 1954), eu tive uma infância magnífica. Desenhava quadrinhos e ia ao cinema todo domingo para ver uma dezena ou mesmo dois filmes. Eu podia assistir tanto a coisas bem antigas como O Mágico de Oz e Tarzan quanto novidades do western ou da ficção científica.

Toni D´Angela – Qual o papel do cinema na sua infância?

Joe Dante – Eu assisto a filmes desde sempre, talvez graças ao meu avô que me fez descobrir os westerns reapresentados na televisão. Na minha vizinhança, eu era o único a ir ao cinema todos os finais de semana. Só tivemos uma televisão muito depois, mas ela me hipnotizou da mesma maneira. Havia poucos canais, mas muitos programas para crianças, constituídos o mais das vezes de comédias mudas.

Toni D´Angela – Seus filmes representam quase sempre a província americana. Por quê? Por que a tensão e o perigo são mais facilmente escondidos em um cenário familiar?

Joe Dante – Esse é o mundo no qual eu cresci. Os anos 1950 não foram forçosamente a época encurralada e anódina que se representa às vezes. Havia muitos medos e angústias profundamente arraigados, notadamente nada menos que a sombra ameaçadora da bomba H e da catástrofe iminente. Filmes para adultos como Delírio de Loucura (Bigger than Life, 1956), de Nicholas Ray, ou O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter, 1955), de Charles Laughton, eram projetados em matinês para crianças, e nos faziam voltar para casa perturbados na maioria das vezes.

Toni D´Angela – Em seu filme Piranha (1978) um espaço familiar como o rio, no qual as crianças se banham, à beira do qual os adultos se bronzeiam, se torna um local de carnificina. Podemos aí detectar uma metáfora da cultura de massa que, muito imprudente, de repente se encontra face à violenta realidade das coisas?

Joe Dante – Eu sempre apreendi Piranha como um filme sobre a guerra do Vietnã, que contaminaria a América.

Toni D´Angela – Meus Vizinhos são um Terror (The Burbs, 1989) é construído como um campo de batalha. Como em um filme de Ozu, a vida quotidiana se encontra perante a guerra. As pessoas controlam umas as outras, ninguém vive mais sua própria vida, mas cada um se alimenta da vida dos outros, como vampiros. Voyeurismo (passivo) e controle mútuo são os esquemas principais que você aponta na nossa sociedade?

Joe Dante – Pela primeira vez se compara Meus Vizinhos são um Terror a Ozu! Eu tive alguns vizinhos muito estranhos quando criança e, ao ouvir falar nisso, me dou conta de que estou longe de ser o único. Devido a isso, quando os produtores me trouxeram o que eles consideravam uma paródia de Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), de Alfred Hitchcock, eu descobri coisas bem diferentes.

Toni D´Angela – Você desenvolve essa ideia igualmente em Matinê – uma Sessão Muito Louca (Matinee, 1993). Penso nessa terrível cena de exercício na escola: para assegurar a segurança de seus cidadãos, o poder exerce uma disciplina corporal para controlar seus estudantes.

Joe Dante – Essa campainha treinando contra ataque de bomba é uma representação um tanto exagerada do nonsense, base da aceitação da autoridade nesse período. Não havia uma só criança que não estivesse de acordo em dizer até que ponto era estúpido se encarquilhar pelos corredores em caso de ataque atômico. No entanto, éramos forçados a o fazer. Tornou-se, pois, uma espécie de rotina. Eu me lembro que a escola era muito rígida e autoritária. Eu me pergunto se isso mudou…

Toni D´Angela – Hoje existe a temática recorrente da América pós-11 de setembro: o declínio dos direitos civis, a salvaguarda da segurança nacional…

Joe Dante – Alguns pensam que o 11 de setembro se tornou uma desculpa para reduzir os direitos daqueles que poderiam se beneficiar de um melhor controle governamental. Agora já sabemos que era um pretexto para o início de uma guerra ilegal.

Toni D´Angela – A mim me parece, que desde o primeiro filme, seu trabalho surge mergulhado e tomado por uma grande paixão pelo cinema. Qual relação você mantém com a ideia de tradição, vinculada ao gênero, quer se trate de comédia, de horror ou de ficção científica? Chega a os considerar fontes de inspiração? Objetos que gostaria de recriar? Signos, citações?

Joe Dante – Os filmes estão na base de um grande número das minhas realizações, essencialmente porque constituem minha maior paixão, e eu tenho muito a dizer sobre o assunto. Se fizesse westerns, certamente meus personagens leriam romances pueris. Todos esses anos, eu me inspirei em um gênero ou outro, mas, sobretudo e sempre, em realizadores e em roteiristas que me marcaram. Tashlin, Wilder, Lubitsch e Sturges na comédia, Tourneur, Bava, Whale, Browning, Fisher, Corman ou Arnold no horror e na sci-fi. Senão, evidentemente, os usual suspects: Hitchcock, Welles, Ford, Fellini, Hawks, Kubrick. Possuo também muito respeito por nomes menos conhecidos: John Farrow, Robert Florey, Roy William Neill, John Sturges, Joseph H. Lewis e outros mais…

Toni D´Angela – William Castle inspirou o personagem de John Goodman enormemente em Matinê – uma Sessão Muito Louca…

Joe Dante – Castle é certamente o protótipo, mas não teria jamais realizado um filme de monstro como Mant! O personagem é um amálgama de Castle, Corman, Arnold e Berth I. Gordon, sem esquecer de mencionar narradores mais precoces como David F. Friedman.

Toni D´Angela – O que lhe fascina nesses realizadores, cuja maior parte é ainda considerada de jovens menores? A falta de recurso contrastando com sua grande inventividade?

Joe Dante – Veja Edgar G. Ulmer e sua enorme capacidade de fazer grandes coisas com um orçamento irrisório em filmes como Detour (1945) ou O Homem do Planeta X (The Man From Planet X, 1951). É um dom muito raro chegar a oferecer um excelente trabalho apesar das circunstancias financeiras difíceis, e muitos realizadores etiquetados B excedem nesse sentido.

Toni D´Angela – Jack Arnold foi igualmente uma fonte de inspiração?

Joe Dante – Seguramente. Eu o conheci bem. Sua filha trabalha em Grito de Horror (The Howling, 1981). Eu quase cheguei a ser seu assistente de direção em um remake que ele teria feito de sua O Monstro da Lagoa Negra (Creature from the Black Lagoon, 1954). Infelizmente ele perdeu uma perna, e o filme nunca foi feito. Sua obra-prima é sem dúvida O Incrível Homem que Encolheu (The Incredible Shrinking Man, 1957).

Toni D´Angela – Arnold realizou também westerns muito bons. Quanto à sua produção, qual relação mantém com esse gênero?

Joe Dante – Eu adoraria fazer westerns, mas nasci um pouco tarde demais para tal. Não nos lembramos, mas quando criança era o gênero mais popular. O western estava em toda parte tanto na televisão quanto no cinema, porém os tempos mudaram e muito rapidamente os caminhões, carros e outros veículos substituíram os cavalos. Sam e Sergio (Peckinpah e Leone, ndlr.) apareceram e o western começou abordar a Morte do Oeste e a corrupção da América. Alguns dos melhores westerns foram feitos no fim dos anos 1960 e durante os anos 1970, porém nos anos 1980 estava terminado.

Toni D´Angela – Você trabalhou com filme de gênero em Hollywood conservando uma certa independência. Os gêneros são petrificados de convenções e de motivos, de limites, mas são igualmente repletos de recursos, de possibilidades para aí introduzir variações. Poderia nos falar desse paradoxo, como raros diretores conseguem transcender?

Joe Dante – Conservar sua personalidade de diretor em meio ao controle dos estúdios releva do funambulismo, daquele que anda em corda bamba. Você deve mascarar suas excentricidades nas entrelinhas (entre os planos, se assim posso dizer). Mesmo se, no fundo, fazer um filme de gênero pode lhe permitir uma maior liberdade, do que a abordagem de um tema mais convencional, isso ocorre porque você emprega uma forma distinta e uma identidade singular.

Toni D´Angela – Corman e Spielberg foram muito importantes para a sua carreira, poderia nos explicar?

Joe Dante – Sem Roger, eu teria começado enquanto aprendiz de montagem e teria feito meu pequeno caminho até a realização. Talvez eu não tivesse mesmo chegado tão longe. Ora, fiz meu primeiro filme um ano após minha chegada em Hollywood. E sem a confiança que Spielberg me inspirou, não teria jamais tido a oportunidade de romper com o gueto que constitui a produção de séries B para um cinema grande público. O que faz com que efetivamente eu deva muito a todos dois.

Toni D´Angela – Foi difícil conservar sua identidade trabalhando com Spielberg?

Joe Dante – No início tive medo que fosse o caso, mas não foi. Ele é muito ligado à ideia de colaboração, chegando até a lhe permitir fazer seu filme, mesmo se seu nome se encontra vinculado ao estatuto de produtor.

Toni D´Angela – Em sua montagem, você cria sempre uma colisão entre diferentes coisas ou ideias a fim de causar um choque em seu espectador.

Joe Dante – O estilo Samuel Fuller! No início eu pensava montar eu mesmo meus filmes como Fuller o fazia, mas descobri que os estúdios consideravam que se tratava de um controle muito grande dado a outra pessoa do que a si próprios. Nunca mais montei então nenhum de meus filmes após Grito de Horror. Porém tive sorte quanto a minhas escolhas de montadores ao longo de toda a minha carreira, e eu sempre considerei a pós-produção com um dos patamares mais criativos para um filme. Meu montador atual, Marshall Harvey, trabalhou em cada um dos meus filmes desde Meus Vizinhos são um Terror.

Toni D´Angela – Você trabalhou com certo número de roteiristas, no entanto os temas são parecidos. Em que medida isso releva de seu próprio trabalho?

Joe Dante – Tento fazer apenas filmes de meu interesse e que gostaria de assistir indo ao cinema. Nisso, é lógico que os temas sejam mais ou menos similares a cada vez, pois na maior parte do tempo eu só dirijo roteiros, que me interessaram de uma maneira ou de outra. Trabalhei com um número limitado de gêneros, mas sempre criei de modo a reunir coisas pessoais.

Toni D´Angela – Tenho razão ao dizer que uma de suas obsessões recorrentes seja talvez a crítica do mundo das mídias? A televisão e os jornais que transformam nossa realidade em imagem com o objetivo de fazer cair na armadilha crianças e adultos em um mundo ficcional, que substitui o mundo real?

Joe Dante – Não diria que você se engana, mas essa não é exatamente a maneira como vejo as coisas. As mídias integram a vida cotidiana mais fortemente hoje do que quando cresci, e não forçosamente para o melhor. A ideia atravessa os meus filmes efetivamente.

Toni D´Angela – A crítica social de Grito de Horror, manifestada através da mídia televisiva, se torna um espetáculo, a mensagem do jornalismo não soa verdadeira. Penso igualmente em The Second Civil War, onde uma ação humanitária não é, no fim das contas, apenas uma história de ambição.

Joe Dante – Em The Second Civil War, a ironia provém de que mesmo com todos os avanços tecnológicos não se consegue comunicar entre si. A própria guerra é provocada por um simples mal entendido. Em Grito de Horror, a ironia da coisa se dá quando o horror é televisivo e a história revelada publicamente, ela é descreditada.

Toni D´Angela – Nesse ponto, você pensa em Marshall McLuhan (“o meio é a mensagem”) ou em Neil Postman, que efetuou numerosas pesquisas sobre os efeitos da televisão no comportamento das crianças?

Joe Dante – Conheço pesquisadores, mas eles nunca constituíram algo além do que um longínquo background para mim.

Toni D´Angela – Jonathan Rosenbaum escreveu que o último filme de Frank Tashlin possui semelhança com seus próprios filmes. Essas obras são críticas à cultura pop americana, do mesmo modo como as suas.

Joe Dante – Ser comparado a Tashlin é sempre uma grande honra para mim, uma vez que seu trabalho faz parte das minhas grandes influências, ao mesmo título que Mad Magazine. Artistas e Modelos (Artists and Models, 1955) foi uma revelação quando era viciado nos cômicos de nove anos.

Toni D´Angela – O Buraco (The Hole, 2009) faz aparecer um personagem de South Park, numerosos personagens de desenho animado são apresentados em seus filmes até mesmo Chuck Jones. Você acha o desenho animado de hoje diferente do de antigamente? Mais vulgar, mais agressivo?

Joe Dante – Evidentemente, uma inevitável degradação da cultura é sempre a sequência lógica de uma inovação. E os desenhos não constituem exceção. Durante a Segunda Guerra Mundial, certa insolência acompanhou essa época turbulenta, notadamente na Warner Bros., que sustentou até o fim o que chamamos hoje idade de ouro do início dos anos 1960. E, como a sociedade conheceu outras guerras e desavenças em seguida, a censura amenizou e os cômicos underground, Ralph Bakshi, Beavis and Butthead, Os Simpsons depois South Park. Nada mais era tabu e muitos desenhos não eram para criança. De todo modo, muitos dos heróis de desenhos animados tradicionais encarnam uma crítica da ordem estabelecida. Uma grande parte dessa atitude remonta aos Irmãos Marx e a Chaplin.

Toni D´Angela – Em seus filmes, os monstros têm sempre algo de humano. Parece que o combate é sempre não deixar o Homem vir a ser um animal. É flagrante em Grito de Horror, o é também em Gremlins (Gremlins, 1984). Essas criaturas que imitam um comportamento de devorador, absorvendo tudo o que pomos sob sua boca ou perante seus olhos, somos nós, não é mesmo?

Joe Dante – Com certeza, existe um monstro em cada um de nós. A civilização é uma camada fina de verniz e nós criamos as leis e a religião para sustentá-la. Os Gremlins são efetivamente devoradores, mas ao mesmo título que os lobos, os zumbis ou não importa que criatura que devora gente. Ou criaturas que se consomem entre si. Diferentemente, nós não nos contentamos em consumir os recursos do planeta.

Toni D´Angela – Segundo Bill Krohn, você faz uma sátira de nosso mundo e sua solução ou, antes, sua escapatória é o apocalipse, que conduziria à revelação. Você revela o abismo sob o qual caminhamos. O que pensar dessa interpretação?

Joe Dante – Impossível negar o fato que muitos de meus filmes evocam o apocalipse. Todavia, eu nunca realmente programei isso, deve ser a ressaca da infância que eu passei tomado pelo medo da bomba atômica. Sem esquecer que, além disso, sobrevivi à rubéola, à escarlatina e à poliomielite! Não falarei nem mesmo de programas Andy’s gang na televisão! Mas para voltar a essa história de apocalipse, não penso que ela resolve muitas perguntas, ao contrário, ela as engendra.

Toni D´Angela – Você aborda em The Second Civil War a ideia de imigração, assunto fundamental para a cultura americana. As rebeliões e o mal-estar na América do Norte, na Europa e, sobretudo, na Itália, foram interpretados com temor: os Europeus têm medo que os Norte-Americanos cheguem até eles. O que pensa sobre isso?

Joe Dante – Os problemas colocados nesse filme não desapareceram desde 1997, quando ele foi exibido em festivais cada vez fui surpreendido pela sua perpétua contemporaneidade. O que concerne à imigração mudou bastante desde então, mas existem coisas ainda que abordamos que chegam hoje mesmo em toda parte no mundo. Sobre a filmagem, cada vez que abríamos um jornal, podíamos aí ler um elemento que iríamos filmar no dia.

Toni D´Angela – As políticas queriam exportar a democracia no mundo, enquanto era preciso talvez melhor começar a refletir sobre nossa democracia e seus limites.

Joe Dante – Penso que a História americana recente é um modelo triste demais que se dissemina por toda parte no mundo.

Toni D´Angela – Sempre o final de seus filmes é irônico. Gremlins 2 – a Nova Turma (Gremlins 2, 1990) e Pequenos Guerreiros (Small Soldiers, 1998) são concluídos com o triunfo do capitalismo, que encontra o meio de relançar suas atividades, apesar ou graças ao que acaba de se produzir.

Joe Dante – Você pode o ver como ironia, mas é, sobretudo, uma maneira de apontar o fato que o capitalismo aí está para ficar, e que não se pode nada fazer. Olhe em torno de você e volte para me dizer se os bons ganham sempre. É uma das razões pelas quais se continua a ir ao cinema, lá onde nossos fantasmas de justiça são sempre reforçados. Havia um ditado em Hollywood: o ruim paga o preço e o bom prevalece. É um belo ideal, mas as realidades da sociedade atual introduziram desde os anos 1960, entre James Bond e o Homem sem nome (personagem interpretado por Clint Eastwood na Trilogia dos dólares de Sergio Leone, ndlr.), um arquétipo do anti-herói, com o qual estamos familiarizados hoje.

Toni D´Angela – A imaginação, em seus filmes, ajuda a combater um mundo real cruel demais, repleto de tristes imagens.

Joe Dante – Certamente uma das atrações do cinema é o escapismo para um universo, para o qual gostaríamos de nos transportar e que é bem mais atraente que o mundo no qual vivemos. Porém, quando as luzes reacendem, não se pode esperar que o mundo que se acaba de ver possa nos ajudar a fazer face àquele no qual vivemos realmente.

Toni D´Angela – Pode nos falar de seus projetos futuros?

Joe Dante – A paisagem mudou consideravelmente desde que comecei no cinema em 1974. Meu último filme ainda não foi lançado nos Estados Unidos. Vi que o novo John Carpenter só saiu em vídeo sob encomenda, e que o último Peter Weir permanece numa prateleira desde não sei quanto tempo, esperando ser distribuído. Então, com certeza, possuo projetos, vários, mas um entre eles apenas terá fundos? Quem sabe?

Toni D´Angela – De qual cinema você gosta hoje?

Joe Dante – Pela primeira vez em minha vida é difícil para mim encontrar um final de semana com um filme novo que teria vontade de ir ver. Uma superabundância de séquitos, de remakes ilegítimos e de clones de super-heróis me deixou um tanto insensível. Nesse momento estou menos atraído pelos filmes de estúdios do que por certas produções independentes e a oferta decadente das importações estrangeiras. Nos anos 1960 e 1970 estávamos inundados pelas importações de filmes tanto de gênero quanto de autores, e éramos bastante familiarizados com os astros e os realizadores europeus. Hoje poucos filmes estrangeiros são lançados em salas nos Estados Unidos. O mais das vezes são comprados para se fazer um remake.

Toni D´Angela – Seu último filme é em 3D. Como você vê o futuro em relação com essas novas tecnologias?

Joe Dante – Eu penso que o 3D pode ser um bom utensílio, como a cor, a grande tela ou o estéreo antes dela. Porém há as inconveniências, principalmente devido ao que nos faz passar para o 3D. Muitos dos filmes rodados em 2D foram convertidos em seguida não sei como, o que altera nossa percepção do 3D. É preciso enquadrar, filmar, pensar no todo de seu filme em função do 3D, não durante a pós-produção. Eu pensava no início que o 3D tinha um glorioso futuro diante de si. Hoje não estou certo disso.

Toni D´Angela – Em Grito de Horror, há uma cena na qual John Carradine reclama do fato que ninguém mais presta atenção a ele. É uma referência metafílmica aos numerosos filmes clássicos, nos quais Carradine trabalhou, e fato que na época de seu filme as pessoas não o conheciam mais?

Joe Dante – Sim, sem dúvida. Pessoalmente, após tê-lo descoberto em filmes de horror Universal, fui surpreendido por sua performance em As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath, 1940), de John Ford. Quando eu o contatei ele aceitou qualquer trabalho que eu lhe propunha, mas de todo modo fiquei honrado com sua aceitação em participar de meu filme. Eu tentei, nesse filme, estabelecer uma conexão entre o cinema clássico hollywoodiano e o que estava em voga nos anos 1980. Eu me recordo que as crianças na filmagem me perguntavam quem trabalharia no filme, seu desempenho, o que eu considerava como uma lista muito cool de atores. Evidentemente, não haviam nunca ouvido falar em sequer um único entre eles.

Toni D´Angela – Excelentes críticos elogiam seu cinema: McBride, Krohn, Rosenbaum. O que você pensa disso? Ademais, você é tocado pelas críticas negativas?

Joe Dante – Ninguém gosta das críticas negativas, mas você deve se lembrar do fato que qualquer que seja o ponto de vista, o filme existe por si só. Pode ser ou não apreciado em seu tempo, mas a História terá talvez a última palavra ao final, como aconteceu tardiamente com numerosos filmes. Tive uma grande sorte porque vários cineastas apaixonados tenham tido acesso aos meus filmes e encontrar qualidades neles. Ao contrário, péssimas críticas podem ser memoráveis. Vincent Canby escreveu, por exemplo, Meus Vizinhos são um Terror: “A despeito do quão vazio esse filme possa ser, ele não chega nunca a representar o vazio.”

Toni D´Angela – Você redigiu críticas de filmes, pode nos dizer algumas palavras sobre seu modo de analisar filmes? Mais amplamente, o que esperar de um filme?

Joe Dante – Comecei a escrever críticas de filmes quando tinha treze anos, idade durante a qual eu assistia a filmes de uma maneira muito diferente de hoje. Recentemente dei uma olhada em algumas dessas críticas, elas me fizeram torcer o rosto. Uma vez que você realizou um filme, suas perspectivas mudam radicalmente, e eu não teria jamais sido tão desdenhoso se tivesse tido a mínima ideia do que representava o simples fato de concluir um único filme. Eu redescobri realizadores e filmes que tinha subestimado para descobrir neles qualidades que minha imaturidade me impedia de ver na época. O vanguardista The American Cinema de Andrew Sarris classifica certo número de diretores em função da maneira com a qual os reconsiderou. Muda-se crescendo. Assistir a Oito e Meio (8 ½, 1963), de Fellini, adolescente, depois o rever a cada dez anos permite examinar até que ponto nossa situação influi sobre o filme. Acrescente a isso o fato que você se tornou diretor, e terá a medida exata da maneira com a qual o tempo pôde mudar a percepção.

Toni D´Angela – Uma palavra sobre o próximo filme?

Joe Dante – Espero que haja um.

Toni D´Angela – Última questão, e não das menores: Por que Dick Miller é seu único ator recorrente?

Joe Dante – Gostei muito de Dick em vários filmes de Corman entre os anos 1950 e 1960, quando tive eu mesmo a oportunidade de fazer um filme, Dick era nada menos que o nome mais conhecido de meu próprio filme. Nós nos entendemos muito bem e ele se tornou uma espécie de talismã para mim ao longo dos anos, tanto profissionalmente quanto humanamente. Cada vez que leio um roteiro, busco o papel de Dick. Por sorte, é o gênero de ator que extrairá o máximo de seu papel, mesmo ao se tratar de uma simples e breve aparição. Atualmente saiu de cena, mas se detém à oportunidade quando lhe peço para filmar para mim. Porque, simplesmente, eu creio que ele adora!

 

Toni D´Angela  é crítico de cinema, curador e escritor. É o fundador e editor chefe de La Furia Umana, revista trimestral on-line de teoria e história do cinema. Escreveu vários livros e artigos. Alguns de seus artigos foram traduzidos para inglês, português, espanhol e francês. Entre os seus livros há Raoul Walsh o dell’avventura singolare (Roma 2008), John Ford. Un pensiero per immagini (Milano 2010), Orson Welles, l’infinito (Roma 2011), Nicholas Ray. Bellezza e convulsione (Roma 2011), Western, una storia dell’Occidente (Roma 2012), Il cuore dell’essere e il pensiero sensibile. L’atto del vedere di Stan Brakhage (Roma 2013), Jerry Lewis o l’impossibile (Roma 2014). Recentemente realizou a curadoria do Fronteira – International Documentary and Experimental Film Festival, é fundador e presidente de CAMIRA – Cinema and Moving Image Research Assembly.

Fernanda Aguiar C. Martins  é professora adjunta do Colegiado em Cinema e Audiovisual, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, fundadora e coordenadora do grupo de pesquisa AIS – Análise da Imagem e do Som (UFRB/CNPq), editora de CineCachoeira, revista de cinema da UFRB, com artigos publicados em português, inglês e francês, recentemente colaborou em Directory of World Cinema: Brazil (Inglaterra/Estados Unidos, 2013) e em Voix et Images de la diversité (Paris, 2013).

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