Por João Luiz Vieira
Na edição norte-americana do bluray de Inimigos públicos (Public Enemies, 2009), dirigido por Michael Mann, há uma sequência em que os principais protagonistas estão jogando cartas. Simultaneamente, o espectador, que está assistindo ao filme confortavelmente sentado em sua sala, maravilhado com a qualidade visual e o som surround multidirecional que sai das pequenas caixas espalhadas pelo ambiente e da frente do seu grande monitor de TV de alta definição e tela plana – um verdadeiro home theater, com seu control pad (ou joystick) na mão –, clica em um botão especial e interrompe a cadência e o fluxo do filme para participar de um jogo de cartas que os gangsteres estão jogando na narrativa cinematográfica, bem ali à sua frente. De certa maneira, ele “entra” em uma narrativa secundária e começa a jogar aquele mesmo jogo do filme, enquanto a verdadeira narrativa do filme é suspensa. Dependendo do interesse do agora também jogador virtual e ex-espectador, o filme passa a ser secundário e vai literalmente para o espaço…
Esta ação, melhor dizendo, intervenção direta na narrativa fílmica (suspensão, congelamento, abandono e nova entrada em outra camada narrativa), poderia corresponder ao que Bazin vislumbrara como o “mito do cinema total” em meados do século XX (1946), quando refletia sobre a expansão visual promovida pelos então novos processos panorâmicos surgidos em meados dos anos 1950? (BAZIN, 2014, pp. 35-36) Se a situação descrita acima é apenas uma das inúmeras possibilidades de “realismo imersivo” disponibilizadas pela versatilidade da tecnologia digital, como podemos questionar e, ao mesmo tempo, expandir os mesmos princípios de “cinema impuro” (1952) reivindicados por Bazin? Será que o espaço doméstico seria a encarnação definitiva e a última fronteira de Bazin agora reformulada para incluir uma noção mais abrangente de “cinema totalmente impuro”? Estas são algumas das questões que ando pesquisando ultimamente desde 2014, num diálogo constante entre o Cinema e a História, diálogo também informado pela área mais recente da “arqueologia da mídia”. Meu intuito aqui é humildemente aprender a ouvir a História, absorver um pouco de seus métodos de pesquisa através de contextualizações, aproximações, afastamentos, simetrias, mergulhos no passado, genealogias… Ao mesmo tempo em que procuro expandir conceitos de hibridismo para incluir a autoria e a relação entre cinema e convergências textuais, tecnologias e plataformas; entre novos perfis e (re)definições de interatividade; bem como as formas com as quais estes novos regimes de consumo audiovisual renegociam suas relações com as indústrias midiáticas contemporâneas.1 Para tanto, me pareceu sempre bastante inspirador, além de produtivo, a relativização de conceitos e definições hoje tão caras ao cenário midiático contemporâneo, ao propor, ainda que modestamente, um retorno aos medievalistas. De forma inusitada, e resumida, pensar a catedral medieval como um espaço de imersão, como uma forma privilegiada de espectatorialidade e espectação, que, desde sempre materializou experiências diversificadas de espetáculo audiovisual.
Por que esse interesse e retorno? Porque certos termos e conceitos hoje tão presentes e caros ao momento atual (marcado por, entre outros, uma intensa convergência tecnológica) – interatividade, imersão, espectatorialidade/espectação, entre outros a serem citados aqui – já nos chegam mais ou menos pré-embalados em molduras discursivas de pré-conceitos e jargões acadêmicos, nas diferentes formas de publicidade, culturas promocionais e experiências estéticas que se cruzam nos campos intelectuais e comerciais de atividade.
A intenção aqui – concentrada primeiramente na chegada do Cinerama e dos primeiros sistemas de imagens panorâmicas no Brasil (1954-1967) é expandir os paradigmas do que podemos definir como diferentes regimes de espectatorialidade/espectação para investigar relações espaço temporais complexas e seus modos de corporificação no encontro com o audiovisual, que engajam e inscrevem, por sua vez, conceitos complementares de imersão e narratividade. E, portanto, nada me parece mais produtivo e instigante do que esse recuo até a Idade Média, suas catedrais, seus códices. Tentando entender modelos mais fluidos de espectatorialidade, me interesso também em ampliar a noção de imersão através das inúmeras experiências de mobilidade/interatividade espectatorial ao redor do espaço de visão, onde, por exemplo, nas catedrais medievais, isso se materializava de forma surpreendente e atualizada.
E aqui Museu e Catedral solicitam comparações inevitáveis, especialmente no grau de reverência a eles dedicados. A experiência de um planetário já carrega em si um desdobramento híbrido, entre o cinema e o panorama, a partir da posição do espectador, sentado e com a atenção dirigida a uma tela/projeção em formato circular, côncavo. E num horizonte mais ambicioso, a intenção aqui também é tentar ultrapassar modelos clássicos de espectatorialidade para também questionar, inclusive, novos papéis exigidos agora por esse espectador/agente. Tais como, entre outros, parques temáticos, videogames, instalações.
A professora e pesquisadora norte-americana Allyson Griffiths, em seu excelente estudo sobre museus e IMAX, propõe um espectador de perfil estético mais passivo (sentado na poltrona), bastante diferente do que se encontra nos museus, galerias, parques temáticos e, claro, nas catedrais medievais.2 Uma experiência, por exemplo, bastante diferente dos panoramas que, segundo ela, permitia um olhar mais “independente”, autônomo, dentro do quadro. Me parece aqui que Griffiths, por não ter tido ainda a experiência possibilitada pelo Cinerama, não percebeu direito as fantásticas dimensões dessa imagem em tela curva que também permitia aos espectadores a deambulação vagante pela imagem.
Esta breve introdução de intensões aqui, faz-se necessária exatamente para a compreensão maior do impacto, permanência e transformações do que também chamo de realismo imersivo — especialmente o início e a expansão dos formatos de imagem panorâmica no início e ao longo da década de 1950, com ênfase especial no Cinerama (1952-1962), sua chegada e difusão no Brasil (Cine Comodoro, São Paulo, agosto de 1959; Cine Roxy, Rio de Janeiro, outubro de 1967) e demais formatos que contribuíram para a redefinição do estatuto do espectador nos últimos 50 anos. Tal retorno nos ajudará a questionar e interpelar com mais propriedade cenários textuais que se desenham atualmente a partir da convergência tecnológica e que criam situações híbridas de radical transformação do que conhecemos e vivenciamos até agora como “cinema”.
Tais questões se configuram como resultado de desdobramentos anteriores relacionados a um dos temas centrais de minha pesquisa ao longo de anos de atuação no PPGCOM/UFF, ou seja, imagem e corpo. A grande diferença, no entanto, encontra-se no deslocamento e na ênfase mais recente, que se volta aos poucos para investigações teóricas em torno dos conceitos de espectatorialidade e recepção, a corporificação de olhares narrativos, a absorção do corpo do espectador no próprio espetáculo através de tecnologias específicas e historicamente datadas, bem menos para a investigação de natureza estética de textos fílmicos específicos.
O panorama tecnológico mais recente (a passagem do analógico para o digital) traz à mente um dos mais influentes ensaios escritos por André Bazin, teórico que volta à cena hoje em plena revisão de boa parte de suas teorias e escritos sobre cinema. A partir do seminário internacional dedicado à revisão e reavaliação das teorias bazinianas realizado pela Universidade de Leeds em 2010 e do qual fui um dos conferencistas convidados para uma sessão plenária (Mixed Cinema: Bazin Revisited, 2 de dezembro de 2010 ), a alegação de que o cinema nunca foi uma forma “pura” de arte ganha uma inesperada ressonância nos tempos que correm. Quando ele escreveu o influente e inspirado ensaio “Por um cinema impuro: defesa da adaptação” (1952), o conceito (e defesa) de um “cinema impuro” significava simplesmente a referência maior ao patrimônio material da literatura e do teatro – passo fundamental para entender, teorizar e praticar diferentes formas de adaptação, e para conceituar a área de estudos da narrativa, entre outras.3 A fonte principal de inspiração era a narrativa, o conteúdo em si. Tratava-se de uma medida de valor, um grau de liberdade através do qual materializava-se a adaptação e cumpria-se o impulso narrativo, independente de suporte. Bazin era esperto o suficiente para reconhecer que adaptações eram procedimentos corriqueiros, estabelecidos e aceitos na História da Arte, em que narrativas cristãs na Idade Média poderiam ser adaptadas tanto no teatro, na pintura, na escultura, nos vitrais, e assim por diante. Nesse mesmo ensaio, Bazin ao sugerir que a adaptação, longe de ser ilegítima, tem sido uma prática perene em todas as artes, lembra também que a maioria dos filmes baseados em romances simplesmente usurpam seu título. Argumentava que um filme como Partie de campagne (Jean Renoir, 1936) mostra que uma adaptação pode ser fiel ao espírito da história de Maupassant, enquanto ao mesmo tempo se beneficia do gênio de Jean Renoir. Com Renoir, a adaptação se tornava a refração de um trabalho na consciência de outro criador. Para Bazin, a versão dele de Madame Bovary (1933) conciliava certa fidelidade com independência artística porque aqui autor e auteur se encontravam como iguais.
Também (em favor de Bazin), reitero sua ênfase no filme como “uma grande e autêntica arte popular” (diferente do teatro: o cinema, de fato, veio à tona como a única arte popular em um tempo em que o teatro era uma arte da sociedade par excellence, que atingia apenas uma privilegiada minoria endinheirada e elitista). Ainda em favor de Bazin, foi essa sua atitude que possibilitou a potente polinização e fecundação de técnicas de contação de histórias, práticas de produção e tecnologia (e, logo em seguida, também, de desenvolvimento de grandes negócios), todos com algum grau de suspeita. Atento, Bazin alertava para o fato de que em qualquer caso, mesmo se certo hibridismo entre artes continuava possível através da combinação de gêneros, essa condição não garantia em nada produtos bem-sucedidos e de qualidade. Há cruzamentos mais ou menos fecundos que exibem e apontam para as qualidades intrínsecas existentes nos textos originais, ao mesmo tempo em que há outros resultados nada animadores.
Desde a nouvelle vague, entretanto, os estudos de adaptação têm oscilado entre um discurso de “fidelidade” e outro teoricamente sofisticado de “intertextualidade” e “hipertextualidade” e, mais recentemente, com o termo “intermidialidade”. Foi o Bazin “realista”, ironicamente, que antecipou algumas das correntes de seu ensaio “Cinema as Digest”, de 1948.4 Lá, ele defendeu uma concepção mais aberta de adaptação, que projetasse um lugar para aquilo que hoje chamamos de “transtextualidade” e “transescritura” e que podem ser ampliados e pensados também como o mais recente conceito de “intermidialidade”. As palavras de Bazin sobre adaptação em 1948 ironicamente antecipavam tanto o autorismo como sua crítica, uma vez que a defesa feroz de obras literárias frente às suas adaptações baseava-se em uma concepção individualista que estava longe de ser eticamente rigorosa no século XVII e que começou a ser legalmente definida apenas no final do século XVIII. Aqui Bazin antecipa a desvalorização do autor individual de que Foucault falou em favor de um “anonimato generalizado do discurso”.
Bazin também antecipa a profecia de Roland Barthes de “morte do autor”, pela previsão de que estaríamos nos movendo em direção a um reinado de adaptação, no qual a noção de unidade da obra de arte, senão a própria noção de autor em si, seria destruída. Palavras proféticas se as transportarmos para o cenário contemporâneo de intensa discussão sobre direitos de autor no tempo das apropriações possibilitadas pela tecnologia digital de disponibilização ilimitada e reciclagem de conteúdos pela internet. Tais argumentos nos levam a repensar se a experiência interativa proposta pelas edições bluray de filmes como, entre muitos outros, Inimigos públicos pode ser considerada, por exemplo, a materialização da hipótese de Bazin estendida aos dias de hoje quando nos referimos a jogos como uma adaptação, ao uso de materiais de arquivo como adaptação e, principalmente, ao usuário espectador como autor e agente. E também podem nos projetar para um passado medieval onde a experiência das catedrais também possibilitava o trânsito literal de um espectador independente, autônomo, agente de sua própria deambulação física e imaginária num completo regime de imersão participativa, corporificada. Além de nos chamar a atenção e reavaliar o que acontece com os textos, tanto em sua economia quanto em sua estética, toda a vez que se passa de um suporte para outro. Ou, para usar um vocabulário técnico mais atualizado, de plataforma para plataforma.
Como exemplo, podemos pensar, entre tantas narrativas, nas diferentes interpretações da Via Sacra através da tecnologia dos vitrais. Em termos de convergência estética, o jogo audiovisual de computador de qualidade – tal como proposto no material extra da edição em bluray do citado filme Inimigos públicos – evoluiu a tal ponto que é capaz não só de se aproximar, na qualidade da imagem e do som, de algo realmente muito próximo do cinema, como também fundir-se com o filme, em uma inusitada versão do que podemos chamar, sem ironia, de unidade orgânica. Ambos, filme e game, dentro do mesmo disco, exibindo full-motion, live-action video com astros humanos e multicanais, alta qualidade de áudio, tudo destinado a atingir o realismo mais próximo possível. Embora a maioria dos filmes contemporâneos não se refira explicitamente às convenções dos games, nem em suas possíveis narrativas – ao contrário, por exemplo, de filmes como A origem (Inception, 2010), de Christopher Nolan ou o mais recente A viagem (Cloud Atlas, 2012, de Tom Twyker e Andy Wachowski, e ainda Interestelar (2014), do mesmo Christopher Nolan) – as implicações possíveis da sobreposição entre cinema e jogos estão inexoravelmente interligadas.5
É bom lembrar, entretanto, que a confluência entre filmes e jogos de computador (e também de televisão) não é nova, claro. O cinema, como “arte impura”, tem se aproveitado historicamente de outras artes e mídias desde que surgiu. Muitas vezes esse caminho tem sido marcado por vias de mão dupla, como o próprio Bazin, entre outros, teorizou a respeito das relações de polinização entre o cinema e a literatura. Vale a referência aqui da relação complexa e íntima entre o cinema e a televisão – e não só nos Estados Unidos como, no caso do Brasil, em especial, nos cruzamentos fundamentais entre o cinema e as indústrias de rádio e as fonográficas desde o início dos anos 1930, ajudando a moldar e definir um gênero indiscutível do cinema brasileiro, a chanchada. Ou relembrar que, nos Estados Unidos, o fato de que na indústria do entretenimento os produtores que desenvolvem jogos há muito licenciam tanto filmes quanto séries de televisão como possibilidades de exploração de novos produtos. A verdade é que a convergência – convergências – é mais precisa por causa das múltiplas sínteses e hibridizações que entram literalmente em jogo.
Juntas, essas qualidades apontam para algumas das forças que estruturam trajetórias em tensão na confluência de filmes e jogos de computador. Também provocam nossa curiosidade e envolvimento em uma investigação profunda sobre estes novos fenômenos e cenários tecnológicos, questionando o frequente entusiasmo e total adesão, sem senso crítico, que as novas convergências trazem. E, finalmente, nos convidam a refletir sobre as possibilidades e limitações desta área um tanto nova de “cinemas híbridos” , mixed cinema, se é que se pode nomear desta forma, interpelando o determinismo tecnológico ao abordar os contextos culturais em que a miríade de conexões entre os filmes e todas essas outras novas possibilidades e plataformas foram criadas, divulgadas e recebidas pelo mundo.6 Tentador, portanto, pensar nas catedrais medievais como loci do hibridismo, de atualização de diferentes plataformas, do desejo de adaptação e… intermedialidade. E absolutamente pertinente testemunhar também as idas e vindas da História, na medida em que, com a perda gradativa de fiéis, antigas catedrais e igrejas seculares da Europa ganham novas funções, como, ironicamente, bares e pubs na Inglaterra, livrarias e bibliotecas na Holanda e França e, como também em cinema.
A interatividade e as diferentes maneiras que a confluência de estruturas textuais e tecnológicas “coloca no filme”, levantando a questão sobre o realismo imersivo – outro conceito que procuro expandir a partir de Bazin, retornando a um momento seminal da expansão das telas (o Cinerama na década de 1950) que pioneiramente materializou formas inéditas de imersão realista no espetáculo projetado diante do espectador—telas gigantescas e côncavas, som estereofônico multidirecional, imagens calcadas no poder imersivo da visão periférica através da própria absorção do corpo no espetáculo via combinação de pontos-de-vistas com a mobilidade do enquadramento (em geral efetuada a partir de meios de transporte em movimento para dentro, como trens, aviões, carros, barcos, esquis, montanhas-russa etc.), também me sugerem algumas aproximações com as catedrais medievais. A ampliação desta e de outras questões, motivadas por um necessário retorno a Bazin, pode nos ajudar a reavaliar duplamente, por exemplo, a autoridade do autor e o estatuto do espectador no cenário tecnológico digital contemporâneo em constantes e surpreendentes transformações. E apontar para certas características que possam nos remeter à experiência das catedrais medievais, revendo historicamente o conceito moderno de realismo imersivo a partir das tecnologias desenvolvidas na década de 1950, com ênfase na primeira forma de produção/exibição em formato panorâmico, o Cinerama, seu impacto sensorial no momento (um delírio físico dos sentidos, como chegou a ser chamado, sensação igualmente presente nas catedrais).
Na era da expansão do consumo de imagens digitais de alta definição vivenciada hoje, há que se dar mais atenção ao estudo das atuais possibilidades interativas que, de alguma forma, descentralizaram ou até mesmo deslocaram estruturas de poder que moldaram a espectatorialidade clássica, inauguradas e popularizadas nos anos 80 com a expansão do consumo doméstico dos primeiros VHS, suplantada depois pelos vídeos digitais, os DVDs e agora pelas imagens em alta definição do bluray. Tais estudos contribuem para o entendimento de como pessoas interagem na contemporaneidade e de como o contexto midiático vem se transformando e criando novas formas cognitivas numa situação de intermidialidade tão debatida e estudada atualmente.
Nesse movimento, o cinema e o consumo de filmes vêm testemunhando mudanças radicais na maneira como eram vistos até há pouco tempo, ou seja, em cópias 35 ou 70mm e em salas de cinema. A possibilidade de interatividade introduziu novas relações, especialmente na hierarquia de cima para baixo que, pelo menos fisicamente, excluía a intervenção espectatorial durante a projeção. Hoje encontramos um cenário em que as antigas dicotomias foram alteradas. O que antes era uma experiência socialmente coletiva de público ao assistir a filmes em cinemas mudou para o consumo individualizado e doméstico, mas que, novamente, através da ligação com a internet volta a ser compartilhada com outros potenciais espectadores, ainda que cada um em espaços diferenciados. Através de uma conexão de internet, pode-se entrar em contato e “discutir” ou apreciar o filme on-line com uma comunidade ou amigos. Entre outras mudanças de atitude e comportamento, pode-se também “falar” alto com outros enquanto se assiste ao filme, ao contrário de ser advertido por outros espectadores para ficar quieto na situação mais convencional do escurinho do cinema.
Uma questão clara aqui: estender o termo realismo imersivo de sua primeira origem baziniana para um passado medieval e re-projetá-lo para seu uso presente, radicalizado no momento contemporâneo, de intensa transformação tecnológica a partir das imagens e sons digitais a fim de investigar como essas transformações alteraram o conceito tradicional de cinema e, consequentemente, do estatuto autoral e espectatorial, criando e fundindo noções anteriormente mais fixas e rígidas, para redefinir novos perfis espectatoriais que cruzam processos interativos e intermidiais, diferentes suportes e plataformas em um novo cenário que poderíamos afirmar de pós-cinema.
João Luiz Vieira é crítico e ensaísta, autor de inúmeros textos, críticas, ensaios e livros publicados no Brasil e no exterior como D.W.Griffith and the Biograph Company (1984), Cinema Novo & Beyond (NY: MoMA, 1998) e Câmera-faca: o cinema de Sérgio Bianchi (Portugal, 2004). Professor Titular do Departamento de Cinema e Vídeo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF.
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NOTAS
1 Prefiro este novo termo por entender uma relação corporalmente mais ativa que a palavra “espectação” projeta, ao contrário de um perfil mais “passivo” que o cinema consagrou ao longo do século passado e que a palavra “espectatorialidade” sintetizou teoricamente muito bem.
2 GRIFFTHS, Alyson. Shivers Down Your Spine. New York: Columbia, 2008.
3 BAZIN, André, op.cit . 113-135.
4 BAZIN, André, “Adaptation, or the Cinema as Digest”, in Burt Cardullo, Bazin at Work (NY/Londres: Routledge, 1998), p. 57-64. Ver também os textos seminais traduzidos para o português incluídos na antologia O que é o cinema?, já citada aqui.
5 Para uma primeira entrada investigativa nas então novas possibilidades narrativas oferecidas pela confluência entre cinema e jogos, ver a edição especial dos Cahiers du cinéma (setembro de 2002) – Spécial Jeux Vidéo, inteiramente dedicada ao tema.
6 Uso, ainda em dúvida, este neologismo para diferenciar do “cinema expandido” (Expanded cinema), conforme conceituado por Gene Youngblood no clássico estudo Expanded Cinema (New York: Dutton, 1970), mais voltado para as possibilidades de intersecção com as artes plásticas e performance.