NAVARRO

Texto realizado para a disciplina de Crítica Cinematográfica, ministrada pela Professora Cyntia Nogueira em 2010

Por Diogo Nunes

Navarro (1999), obra de Marcondes Dourado, tem na performance do cineasta Edgard Navarro toda a insatisfação de uma geração baiana que passou cerca de vinte anos sem filmar um longa. O filme começa com a incapacidade de Navarro em se definir, repetindo “Meu nome é…” sem conseguir completar a frase. Logo depois, ele inicia um recital, ao seu modo, de um trecho da Bíblia em que Jesus estava há quarenta dias no deserto acometido de toda privação, e era tentado pelo Diabo.

Assim Navarro encerra a abertura do filme: “Você está vendo esses reinos todos na terra? Tudo que existe de melhor da terra, as mulheres mais gostosas, as comidas mais dengosas, tudo será seu, o reino da plata e do ouro, desde que você se prostre no chão e me adore. Afasta-se de mim Satanás” e corre “deserto” adentro desesperado, como que fugindo da proposta. O discurso do filme (o deserto, a montagem, o som e a música, a fala de Navarro etc.) abre possibilidade para que o deserto seja o árido cinema baiano daquelas décadas de oitenta e noventa, e são os cineastas, privados de políticas que viabilizem a produção dos seus filmes, que são interpelados pelo Diabo a se renderem a seus pés!

E o Diabo pode ser muitas coisas. Pode ser o mercado de publicidade, que absorve os cineastas amputados, pode ser o fato de abandonar a Bahia para tentar fazer filme em outras terras, pode ser a letargia estatal que enterra o cinema local, pode ser até mesmo o ânimo combalido dos próprios artistas baianos, que teve na geração de Glauber Rocha o estímulo para dedicar suas vidas a essa arte e não contaram com o mesmo espaço que ele!

Dizer que há areia nos olhos, ter a câmera constantemente esbarrando em si, a língua seca a perguntar: “E aí Glauber, e o cinema?”, mostrar e oferecer o cu são formas de evidenciar toda a indignação que vem depois do sonho ceifado de fazer cinema. “Cinema brasileiro é uma piada”. E nada mais simbólico do que Navarro retomar a frase de seu personagem em SuperOutro (1989), “Abaixo à Gravidade!”, antes de surgir na tela o trecho do filme em que o personagem de Bertrand Duarte defeca num jornal, referência ao média-metragem que sedimentou Navarro no cenário cinematográfico brasileiro. Esse desabafo de Edgard é compartilhado por todos aqueles que aqui ficaram e sentiram a dor de um cinema doente, mesmo que veladamente.

 

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