O BRASIL COMO O OUTRO

A DICOTOMIA CLÁSSICA “NÓS-ELES” NO CINEMA

por Dagoberto José Bordin

 

1. Introdução

A dicotomia “nós-eles”, como método de classificação no âmbito da antropologia, pode não fazer mais muito sentido no século XXI, nas sociedades pós-coloniais, quando escasseiam cada vez mais nossas tradicionais comunidades de “nativos” e o sujeito/objeto das etnografias contemporâneas muitas vezes é o indivíduo que está no mesmo tempo e lugar do antropólogo, momento em que todos são, ao mesmo tempo, antropólogos e nativos. Este artigo testa a validade do par “nós-eles”, contudo, com relação a um objeto específico, o documentário Olhar estrangeiro, de Lúcia Murat (The foreign eye, 2006), um filme que mostra de que forma o Brasil e os brasileiros se transformam em personagens de ficção pelo cinema produzido no exterior, em especial por produtores norte-americanos e franceses, e como a indústria cultural, ao produzir e/ou reproduzir determinados clichês, nos devolve uma identidade que nós, brasileiros, custamos a compreender como sendo nossa. Para alcançar este objetivo, começo por distinguir o que pode ser considerado um filme etnográfico e o que constituiria uma possível identidade nacional do brasileiro.

 

2. Identidade nacional

Custamos a entender como nossa a identidade projetada de nós mesmos pelo cinema produzido no exterior, mas qual seria nossa identidade como brasileiros? Em quê nos diferenciamos dos outros? “Toda identidade se define com relação a algo que lhe é exterior, ela é uma diferença”, ensina Renato Ortiz (ORTIZ, 1994 [1985], p. 7). A identidade é, portanto, uma “construção simbólica” (p. 8), de modo que não existiria uma identidade autêntica, mas uma pluralidade de identidades, identidades fluidas, líquidas – para Bauman, construídas por diferentes grupos sociais em diferentes momentos históricos. Para Nina Rodrigues e Euclides da Cunha, autores cujas obras são analisadas por Ortiz, o mestiço, enquanto produto do cruzamento entre raças desiguais, encerra “os defeitos e as taras transmitidos pela herança biológica” e, ainda conforme o autor, a apatia, a imprevidência, o desequilíbrio moral e intelectual, a inconsistência seriam, desta forma, as qualidades naturais do elemento brasileiro. No capítulo intitulado “Estado, cultura popular e identidade nacional”, Ortiz retoma Nelson Werneck Sodré para afirmar que só pode ser considerado nacional o que é popular. Mas decifrar uma essência, uma identidade autenticamente brasileira, é impossível. O funk carioca, por exemplo, é popular no Rio de Janeiro, mas não pode ser considerado nacional. “O que caracteriza a memória nacional é precisamente o fato de ela não ser propriedade particularizada de nenhum grupo social, ela se define como um universal que se impõe a todos os grupos” (ORTIZ, p. 136). Conforme Ortiz, Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) buscou a principal característica do brasileiro na “cordialidade”, Paulo Prado (Retrato do Brasil) na “tristeza”, o historiador Cassiano Ricardo, na “bondade”; outros escritores procuraram encontrar a brasilidade em eventos sociais como o carnaval ou ainda na índole malandra do ser nacional.

Os intelectuais, na medida em que diretores de cinema podem ser considerados intelectuais, assim como o são os roteiristas, os montadores, os atores e as atrizes estrangeiros, todos eles fazem esta “mediação simbólica” (ORTIZ, p. 139) e reeditam a realidade (p. 140), utilizando componentes como estes, citados acima, e vão assim construindo uma identidade nacional que passa, então, pela mediação da indústria cultural.

Stuart Hall (HALL, 2006), por sua vez, também questiona a ideia de que as identidades nacionais tenham sido alguma vez tão unificadas ou homogêneas quanto fazem crer as representações que delas se fazem. A identidade cultural nacional, para Hall, é um sistema de representação cultural, um conjunto de significados, um discurso, um modo de construir e operar sentidos que influenciam e organizam tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos de uma “comunidade imaginada’’, que visa à homogeneização e ao enquadramento sob o teto político do estado-nação.

Zygmunt Bauman corrobora com esta ideia de identidade, particularmente de “identidade nacional”, pois ela não foi naturalmente gestada e incubada na experiência humana, não emergiu dessa experiência como “fato da vida” auto-evidente. “Essa idéia foi forjada a entrar na Lebenswelt de homens e mulheres modernos – e chegou como uma ficção.” (BAUMAN, 2005, p. 26).

 

3. Filme etnográfico

Olhar estrangeiro é um “filme etnográfico”, da mesma forma que podem ser considerados etnográficos os filmes analisados nele porque todas aquelas produções acabam por, talvez involuntariamente, “representar um povo através de um filme” (WEINBURGER, 1994, apud RIBEIRO, 2007). No final das contas, para alguns autores, todos os filmes são etnográficos desde a invenção do próprio cinema pelos Irmãos Lumière. “Qualquer filme por mais ficcional é um documento da vida contemporânea” (WEINBURGER, 1994, apud RIBEIRO, 2007). Portanto, não seria necessário ter formação em antropologia para que um diretor pudesse produzir um filme etnográfico e o melhor exemplo disso é o brasileiro Eduardo Coutinho[1], conforme demonstra Marcos Aurélio da Silva, no artigo “Eduardo Coutinho e o cinema etnográfico para além da antropologia”. Para o pesquisador, a linguagem etnográfica transborda os limites da antropologia e pode ser identificada em filmes como os de Eduardo Coutinho. Marcos Aurélio recorda que André Leroi-Gorhan, em 1948, foi um dos primeiros formuladores do conceito de filme etnográfico: seriam todos aqueles “filmes que descrevem sociedades diferentes daquelas de seus autores”, com um conteúdo visual que transmite conceitos não transmissíveis por palavras. “A filmagem é uma forma de habitar um mundo, de construir uma relação com a realidade, de construir ou inventar esta mesma realidade”.[2] Assim como os filmes de Eduardo Coutinho, de que outra coisa senão uma etnografia poderia ser classificado o documentário Faixa de areia, de Daniela Kallmann e Flávia Lins e Silva (2007)? Trata-se de um filme etnográfico mais uma vez não realizado por um antropólogo, mas dirigido por uma artista multimídia, diretora de filmes publicitários, desenhista industrial por formação (Daniella Kallmann) e por uma jornalista, roteirista, escritora de livros infantis (Flávia Lins e Silva). Em Faixa de areia as autoras desconstroem o senso comum de que as praias do Rio de Janeiro são democráticas e que todos os seus frequentadores seriam iguais diante do mar.

Há, no entanto, um conceito de filme etnográfico stricto sensu – aquele em que as imagens em movimento são usadas pelo antropólogo para sua prática profissional, como fizeram Margaret Mead e Gregory Bateson, em Bali. Claudine de France (autora de Do filme etnográfico à antropologia fílmica) considera, no entanto, haver, entre as inúmeras atitudes metodológicas possíveis, duas tendências opostas no filme etnográfico – os filmes de exposição e filmes de exploração. A primeira pressupõe procedimentos extracinematográficos (a escrita precede a realização do filme), a segunda utiliza o cinema como metodologia de pesquisa, de exploração (RIBEIRO, p. 7). Conforme Ribeiro, “só nos anos 1950 o filme etnográfico se torna uma disciplina institucional com especialistas de critérios reconhecidos”. É aí que Jean Rouch (de Moi, un noir) aparece como a síntese do antropólogo e do cineasta. Engenheiro como os cineastas russos dos anos 20 (Eisenstein e Vertov), Rouch é a figura de referência paradigmática do filme etnográfico, aquele que aparece mais associado ao cinema e ao documentário do que propriamente à antropologia.

A segunda conotação do termo etnográfico é a de que há um enquadramento disciplinar específico dentro do qual o filme é ou foi realizado – a etnografia, a etnologia, a antropologia. Esse enquadramento é, em primeiro lugar, o da etnografia enquanto descrição científica associada à antropologia. Para Rouch, “o cinema é o único meio de comunicação que permite a pessoas de outra cultura compreender a forma como as vemos”. É o que acontece quando assistimos ao documentário de Lúcia Murat, Olhar estrangeiro, pois percebemos de que forma os produtores estrangeiros nos veem como brasileiros, como os “outros” deles.

Uma etnografia pode, portanto, perpassar tanto uma ficção cinematográfica quando um documentário, assim como perpassa os gêneros historicamente consagrados pela academia, mediante teses, ensaios, dissertações, artigos, livros em papel e em cópias digitais. O documentário de Lúcia Murat leva ao paroxismo a ideia de que toda etnografia é uma construção, uma “verdade parcial”, ao mesmo tempo ficção, poesia, literatura, conforme aponta Geertz (2005). Em entrevistas com diretores, produtores, atores, Lúcia Murat tenta mostrar o porquê desta retórica visual nos filmes estrangeiros, filmes que não têm preocupação de se erigir sobre uma suposta realidade, e, a seu modo, a diretora questiona a autoridade dos cineastas, num momento em que dois modos de autoridade, o experiencial e o interpretativo, cedem lugar ao dialógico e ao polifônico; num momento em que se questiona também a autoridade do etnógrafo: “Quem somos nós para descrevê-los?”, pergunta-se Geertz (1988). O modo de autoridade dialógico entende a etnografia como resultado de “uma negociação construtiva envolvendo pelo menos dois e muitas vezes mais sujeitos conscientes e politicamente significativos” (CLIFFORD, 1998, p. 43). Já o modo de autoridade polifônico, que rompe com as etnografias que pretendem conter uma única voz, geralmente a do etnógrafo, propõe a “produção colaborativa do conhecimento etnográfico” (CLIFFORD, 1998, p. 54).

O documentário de Lúcia Murat pretende dar uma unidade à produção fílmica em que o Brasil está contido e mostra que, pela sua amplidão – um filme é infinitamente mais “lido” do que uma tese de doutorado, e a diretora cita as bilheterias –, eles disseminam preconceitos no imaginário dos telespectadores, assim como o fazem as histórias em quadrinhos, as agências de notícias, as músicas, os livros, a publicidade, a moda.

 

4.Nós-eles”, um par em dissolução

Latour, entre muitos outros autores, desconstrói o conceito de sociedade e inclui, no contexto social, humanos e não humanos – todos em pé de igualdade (“on the same footing”), com relação ao seu poder de agenciação. Animais, máquinas, ciborgues, pedras, vento, humanos, todos são atores numa rede. “Já não estamos seguros do que significa ‘nós’, pois parece que estamos ligados por vínculos que não são vínculos sociais comuns.” (Latour, 2006).

Temos dificuldade em identificar a nós mesmos e, portanto, já não conseguimos estabelecer quem seriam nossos outros e ao mesmo tempo só conseguiríamos nos identificar utilizando-os como espelhos. Conforme Miguel Vale de Almeida,

“Os estudos pós-coloniais, em concreto, desafiam os antropólogos porque estes se veem como especialistas em populações ex-colonizadas e/ou em comunidades minoritárias ou de imigrantes – populações coincidentes com os alvos preferenciais de análise dos estudos pós-coloniais” (ALMEIDA, 2002, p. 27).

Para o colonizado, porém, não existe um “depois” que o descubra de volta em sua pureza descolonizada. Ele nunca vai deixar de ter sido colonizado, exemplo de uma situação in between ou híbrida (BHABHA, citado por ALMEIDA, 2002, p. 28). “Pode-se admitir pacificamente que a antropologia carrega o fardo de pressupostos colonialistas originais, que criou imagens do outro enquanto subalterno e que concedeu a primazia ontológica e epistemológica ao Ocidente (ASAD e SAID, citados por ALMEIDA, 2002, p. 32). Estivemos tempo demais empenhados na construção de uma alteridade, na invenção de um Oriente, por exemplo, quando, “pela primeira vez, o modo de produção capitalista surge como uma abstração global, divorciado de suas origens européias” (ALMEIDA, 2002, p. 30), na medida em que uma antropologia pós-colonial seria, dentre outras, aquela produzida no Terceiro Mundo, com todos os problemas que essas denominações acarretam porque, conforme Miguel Vale de Almeida, o conceito de pós-colônia é, também, uma invenção.

A crítica etnográfica pós-moderna, a partir de Clifford Geertz, questiona a autoridade do texto etnográfico, considerado como ficção porque é impróprio para representar de forma adequada o outro. É um tipo de ficção no sentido de construção, uma construção textual (com base numa série de convenções), não uma construção desprovida de sentido, mas fruto de uma interpretação. Não uma interpretação de fatos concretos, ou que podem ser alcançados por experimentação como nas ciências naturais, mas representações que, segundo Rabinow, são também fatos sociais, ou seja, ilustram pontos de vista sobre determinados acontecimentos ou eventos nas relações entre pessoas. O texto etnográfico é tido, assim, como a representação de uma representação, daí surge toda a crítica dos que têm sido conhecidos como “pós-modernos”.

Os textos antropológicos são eles mesmos interpretações e, na verdade, de segunda e terceira mão. (Por definição, somente um “nativo” faz a interpretação em primeira mão: é a sua cultura). Trata-se, portanto, de ficções; ficções no sentido de que são “algo construído”, “algo modelado” – o sentido original de fictio – não que sejam falsas, não factuais ou apenas experimentos de pensamento (GEERTZ, 1989, pp. 25-26).

É neste ponto que gostaria de equiparar o texto etnográfico (como ficção e representação) ao conjunto de filmes abordados no documentário Olhar estrangeiro – o documentário enfoca filmes de ficção amparados em clichês sobre o que constituiria um outro identificado como o brasileiro. Marilyn Strathern vai além da representação e chama estas ficções etnográficas de “persuasivas” (STRATHERN, 1987, p. 257). “Preparar uma descrição exige estratégias literárias específicas (…) um escritor escolhe um estilo científico ou literário, sinal de que não pode haver uma opção que evite completamente a ficção”.

É verdade que ficção e realidade constituem mais uma antinomia na profusão de dualismos de que está povoada não só a história da antropologia, mas também a história da filosofia, da psicanálise. Binarismos, pares opostos são um jeito de tornar possível o raciocínio lógico desde Platão e Aristóteles – “A matemática é uma ciência humana”, gosta de repetir Manuela Carneiro da Cunha. Indivíduo e sociedade, sociedade e Estado, natureza e cultura, masculino e feminino, Ocidente e Oriente, corpo e espírito (corpo e alma, corpo e mente), mercadoria e dádiva, essencialismo e particularismo, texto e performance.

Na medida em que a Antropologia foi perdendo seu objeto tradicional – o “outro” como o bárbaro, o nativo, o exótico, o silvícola, o autóctone, o primitivo, o não ocidental, o colonizado, ela vai, ao mesmo tempo, redefinindo os agentes destas novas etnografias. O “nós” antagônico do par foge de nossas mãos num momento em que muitas das etnografias são feitas por diferentes estratos dentro de uma mesma cultura, quando os antropólogos das ex-colônias falam de si mesmos e os antropólogos das grandes cidades têm como objeto um bairro, um determinado coletivo a que eles, antropólogos, também podem pertencer. A dicotomia “nós-eles” (anthropological self x ethnographical other) é dissolvida quando se faz antropologia “em casa”. Que espécie de antropólogo se define e que tipo de outro, tão parecido conosco mesmos (nós mesmos, em última instância), se pode definir a partir daí? Marilyn Strathern considera impossível definir um “nós”, ainda quando a autora se refere ao conjunto específico das quatro autoras, antropólogas, feministas, de um mesmo texto que reflete sobre a condição de um outro que seriam outras mulheres – ignorando raças ou diferenças de classe social. “Feministas e antropólogas constituem comunidades diferentes de intelectuais” (STRATHERN, 2006, p. 72). Mas o que juntaria tantas mulheres diferentes numa mesma categoria, a de gênero oprimido (STRATHERN, 2006, p. 61, nota 5)?

“Ao universalizar questões sobre a subordinação das mulheres, o pensamento feminista compartilha com a antropologia clássica a ideia de que são comparáveis entre si as imensamente numerosas formas de organização social passíveis de ser encontradas através do mundo” (STRATHERN, 2006, p. 66).

As categorias nós e eles são relacionais, dependem de com quem e sob que ponto de vista estabelecemos a diferença. Stuart Hall, em Quem precisa de identidade?, aborda a questão do conceito “sob rasura”. A ideia do autor é que existem conceitos que devem continuar sendo usados porque não há nada melhor para colocar em seu lugar, mas devem ser usados sob rasura, isto é, com restrições. Para ele, um desses conceitos é justamente o de identidade, uma categoria que tem uma carga histórica que deve ser considerada, o que não impede que a continuemos usando.

É possível entender a antropologia como uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, isto é, a busca de respostas para entendermos o que somos a partir do espelho fornecido pelo “outro”; uma maneira de nos situarmos no limiar de vários mundos sociais e culturais, para alargar nossas possibilidades de sentir, agir e refletir sobre o quê, afinal de contas, nos torna humanos. Para Strathern,

“(…) não se pode assumir que os contextos de outras culturas e o nosso venham a ser equivalentes de alguma forma reconhecível. O que poderia ser analisado são precisamente ‘seus’ contextos de ação social. (…) É preciso proceder da única maneira possível, esclarecer as ‘nossas’ próprias estratégias de auto-referência” (2006, p. 35).

A autora descarta o tradicional discurso sobre a falta: “Explorar a semântica da negação (os x ou y não têm sociedade) é perseguir a possibilidade especular de sugerir que um tipo de vida social é o inverso da outra. Esta é a ficção da separação nós-eles (…) Dizer que x não tem isto ou aquilo é uma afirmação que depende do caráter do que seja isto ou aquilo para os que o têm” (2006, p. 45).

Voltando a Geertz, a politização da relação observador-observado na pesquisa antropológica é uma crítica aos paradigmas teóricos da “autoridade etnográfica” do antropólogo (2005, p. 13). Geertz relaciona esta tentativa de “convencimento” (para Strathern, “persuasão”; para Foucault, “função-autor”), à substancialidade e extensão das descrições e abundância de detalhes ou ainda à elegância conceitual de alguns autores, que passam o tempo todo tentando provar que, sim, “estiveram lá”.

De modo que a definição fundamental do objeto da antropologia ocidental parte da “grande partilha” entre “nós” e “os outros”. Nós, os modernos. Os outros, os tradicionais, os exóticos. Já a antropologia pós-moderna, ou crítica, aquela que surge a partir dos anos 1980, tem como característica precisamente esta preocupação com os recursos retóricos presentes no modelo textual das etnografias clássicas e contemporâneas. A etnografia, na contemporaneidade, tenta representar a polissemia cultural num momento em que as sociedades primitivas se transformaram e o outro já não precisa ser tão primitivo nem estar tão distante assim.
Para Johannes Fabian (1983), o principal mecanismo para o estranhamento antropológico não foi o afastamento espacial (os impérios, as colônias), e sim o temporal. Trazer o tempo para o centro das relações de poder coloca uma ferramenta de análise que supera em muito as discussões acerca do papel da antropologia e da dominação colonial. O “presente etnográfico” de etnografias famosas congela os grupos no tempo, conforme o autor. Os Nuer, observados na década de 1930, permanecem os mesmos ao longo da trilogia de seu etnógrafo, Evans-Pritchard, até seu último livro, Nuer religion, publicado na década de 1950. A crítica de Fabian coloca para os antropólogos um desafio: como superar em nossas práticas acadêmicas e/ou profissionais os limites de uma temporalidade linear, característica de nosso modelo de cientificidade, quando em contato com outras construções sociais que não estão fundadas no mesmo modelo? Como superar a negação da simultaneidade? Em The time and the other, a resposta de Fabian é que devemos reconhecer que nossas teorias sobre a sociedade do Outro são “nossas práxis – as formas como produzimos e reproduzimos o conhecimento acerca do Outro em função de nossa sociedade” (FABIAN, 1983, p. 165). Numa entrevista em 2006, no Rio de Janeiro, Fabian se pergunta: “O que é a escrita? O que é a literatura?” Ele mesmo responde: É o momento da tomada de consciência da importância do fato de que, como cientistas, o que fazemos não é simplesmente escrever: nós escrevemos em gêneros (isso em todos os níveis, desde os mais básicos, como o do uso dos tempos verbais, por exemplo). Temos um público de leitores. Esses dispositivos literários não são acidentais, são condicionamentos da produção literária que precisamos reconhecer — e, para tal reconhecimento, a teoria literária muito nos pode ajudar.[3]

Fabian também acentua o caráter da falta, nas sociedades estudadas tradicionalmente. “As outras formas de ser, as outras formas de organização da sociedade, as outras formas de conhecimento, são transformadas não só em diferentes, mas em carentes, arcaicas, primitivas, tradicionais, pré-modernas”. Elas são colocadas num momento anterior do desenvolvimento histórico da humanidade, o que, no imaginário do progresso, enfatiza sua inferioridade:

“Existindo uma forma ‘natural’ do ser da sociedade e do ser humano, as outras expressões culturais diferentes são vistas como essencial ou ontologicamente inferiores e, por isso, impossibilitadas de ‘se superarem’ e de chegarem a ser modernas (devido, principalmente, à inferioridade racial)”.[4]

Em Jamais fomos modernos (1991), Latour critica o que ele chama de “Constituição Moderna”, baseada na falsa distinção entre cultura (os humanos) e natureza (os não humanos). A história teórica da antropologia revela, conforme o autor, o Grande Divisor Externo entre “sociedades modernas” e “sociedades pré-modernas”, que se apóia no Grande Divisor Interno às sociedades modernas, entre natureza e cultura, e reflete a distinção antropológica entre ocidental e não ocidental. Segundo o autor, por desqualificar as demais culturas pelos erros na apreensão do real, a antropologia constrói a separação entre “nós” – detentores do instrumental para apreender a realidade e manipulá-la por meio da técnica – e “eles”. De todo modo, o discurso ocidental é (foi) uma forma mediante a qual outros discursos podem (puderam) aparecer.

 

5. Retórica visual, metáfora, representação

Mas, que discurso é este que pode aparecer nos filmes estrangeiros que retratam o Brasil e os brasileiros ou têm o País como cenário? The foreign eye é baseado no livro O Brasil dos gringos, imagem e cinema, de Tunico Amâncio[5], e foi rodado na França (Lyon e Paris), Suécia (Estocolmo) e EUA (Nova York e Los Angeles). Por meio de entrevistas com diretores como Edmond Luntz, Gérard Lauzier e Philippe Clair, roteiristas e atores, o documentário procura desvendar os mecanismos que produzem e reproduzem os mesmos clichês em sucessos comerciais como Lambada ou Orquídea selvagem (os dois de 1990). Fica claro que, para os norte-americanos, existe uma identidade única entre todos os latino-americanos, desde o México até a Argentina, como se constituíssemos uma única nacionalidade, Hollywood nos inventa uma nacionalidade e nega as que já existem, como criticava Canclini, na obra Latinoamericanos à procura de um lugar neste século. Neste livro, o autor demonstra que a cultura, a economia, a política, os intelectuais e os meios de comunicação de massa dos países latino-americanos são controlados com mais intensidade pelos EUA com a intenção de dominação e que a maior dominação se dá através dos meios de comunicação de massa, “que produzem mecanismos cujo interesse é entreter a sociedade para estagnar as políticas de estruturação social desses países escravizados”.

De fato, o brasileiro nos filmes estrangeiros é visto, como todo latino, como jardineiro, sem educação, criminoso, prostituta, empregada. O documentário revela que, em mais de 40 filmes, os bandidos fogem para o Brasil – uma terra vista como sem lei, realidade que se evidencia quando um astro como Sylvester Stallone, em postagem no Twitter, declarou que aqui era bom de filmar: “Você explode a cidade inteira e eles te dizem obrigado e ainda te dão um macaco de presente para levar para casa”. Stallone filmou Os mercenários no Brasil em abril de 2009 e não chega a ser abordado pelo documentário.

Lúcia Murat, em The foreign eye, arregimenta um “nós” (que são os produtores, diretores e atores estrangeiros) e, a partir dos filmes deles e de seus depoimentos, vai construindo um “eles” (que somos nós, os brasileiros representados ali). Mas, ao mesmo tempo, ela, como brasileira, constrói um outro “nós”, oposto ao deles, àquele dos produtores estrangeiros, e isso talvez seja o mais notável neste seu documentário: cansada de digerir esses “clichês que nos perseguem”, como ela mesma argumenta, Lúcia Murat resolveu mudar de posição (“da câmera”) e ousa ir perguntar por que eles imaginam que Rio de Janeiro e Salvador são uma mesma cidade (no depoimento de Zalman King, de Orquídea Selvagem). A um dos diretores, ela pergunta se ele nunca teve curiosidade de visitar aquele Brasil que ele tanto descreve nos seus filmes. O resultado de suas entrevistas e da pesquisa é surpreendente. Blame it on Rio (1984), por exemplo, tem o Rio de Janeiro como cenário, mas é uma produção americana dirigida por Stanley Donen e rodada longe daqui, no sul da França – os filmes, aliás, quase nunca são filmados no Brasil, com exceção de L’Homme de Rio (1964), com Jean-Paul Belmondo (sim, Belmondo é o homem do Rio). Blame it on Rio é estrelado por Demi Moore e Michael Caine e é um filme em que todas as mulheres brasileiras fazem topless e passam o dia na praia, talvez porque no imaginário destes estrangeiros nossa sociedade é uma sociedade de “recusa do trabalho” (Clastres, 1987, p. 214), quando não uma sociedade sem Estado. Quando se referem a nós, os estrangeiros entrevistados no filme (entre eles populares não relacionados às produções cinematográficas em questão) utilizam palavras que se repetem: o Brasil é o país do futebol, sexo, amor, romance, selva, liberdade, libertinagem, bacanais, frutas, macacos, exotismo, sol, praia, “algo como o Havaí”, com samba e caipirinha. Num dos filmes, São Paulo é mostrada como uma cidade em que há praia e onde as pessoas fazem oferendas a Iemanjá na beira do mar (Next stop Wonderland, EUA/1998). Há florestas no meio das cidades e, numa das produções, Anaconda (1997), Jon Voight é engolido pela cobra gigantesca do título. A população brasileira quase sempre é toda negra e todos os negros daqui se comportam como todos os negros da África – como se o continente africano, por sua vez, também fosse uma única nação. As línguas oficiais do Brasil nos filmes estrangeiros são o Inglês, o Francês e o Espanhol.

Sinônimo de brasilidade, inclusive em Hollywood, um dos atores, Michael Caine, admitiu desconhecer que Carmen Miranda fosse brasileira (ela, na verdade, é portuguesa). Noutros filmes enfocados, a bebida nacional é a piña colada e aqui se dança cha-cha-chá (no depoimento de Jon Voight). Os filmes produzidos no Exterior que têm o Brasil como cenário ou como personagem em sua maioria retratam de maneira descolada da realidade nossa população, nossos costumes, nossa geografia, talvez porque não tenhamos uma única população nem uma geografia ou costumes homogêneos. Um produtor sueco, Bo Jonsson, admite que, sim, se usam estereótipos e eles são necessários, ainda que reflitam um estilo colonialista. Ele admite que não teve, nunca, a pretensão de tocar e muito menos de ir fundo na alma brasileira.

Nas entrevistas que fez com atores, produtores e diretores, Lúcia Murat defende que os clichês de Brasil e de brasileiro replicados pela indústria cultural são criados por esta mesma indústria, mas nem sempre tão intencionalmente quanto se supõe. Seria um erro devido à ingenuidade, como elucida o depoimento de um diretor, Gérard Lauzier, de O prazer à la carte: “Sou responsável (pelos equívocos sobre a imagem do Brasil), mas não me sinto culpado”. Mais enfática que a dele talvez seja a constatação de Larry Gelbar, o roteirista de Blame it on Rio: “Faço parte de uma indústria cultural que despreza a realidade”.

Nem o filme Os mercenários nem Turistas (2006) são enfocados no documentário de Lúcia Murat, pois são posteriores à sua pesquisa, assim como um recente episódio de Os Simpsons, em que a família vem para o Brasil e aqui Homer é imediatamente sequestrado por um motorista de táxi, entre as inúmeras agruras do tour. Por isso, é notável que esta tendência mistificadora persista em filmes muito atuais. Em Turistas, seis jovens vêm passar férias no Brasil e acabam assaltados, drogados e vítimas de uma quadrilha de tráfico de órgãos. A principal crítica veio da revista Variety, a Bíblia do cinema americano, que compara a produção a O albergue (2006), horror produzido por Quentin Tarantino e rodado na República Tcheca. “(Turistas) é ofensivo do começo ao fim, com um argumento de que o médico brasileiro tira órgãos dos americanos para doá-los para brasileiros como forma de lutar contra o imperialismo”, critica a revista. Os Ministérios das Relações Exteriores e do Turismo chegaram a ensaiar uma reclamação diplomática, mas chegou-se à conclusão que dariam mais publicidade ao filme e o que funcionou mesmo foi um boicote quando ele foi exibido no Brasil. Até o protagonista, Josh Duhamel, em entrevista ao “The Tonight Show with Jay Leno”, transmitido em cadeia nacional pela NBC, chegou a pedir desculpas ao governo e ao povo brasileiro. O ator elogiou o país e afirmou que o filme não pretendia dissuadir as pessoas de visitarem o Brasil.

 

6. Considerações finais

A discussão sobre os realizadores estrangeiros que focalizam o Brasil em seus filmes ganhou nova dimensão em abril de 2011, quando o diretor brasileiro Carlos Saldanha (de A era do gelo) lançou um filme intitulado Rio, animação hollywoodiana com recordes de bilheteria no Brasil e no mundo, um filme em que são reforçados todos os mesmos preconceitos existentes nos filmes realizados pelos produtores estrangeiros mostrados no filme de Lúcia Murat: “Os clichês sobre o Brasil, como o jogo entre a Seleção e a Argentina, em pleno Carnaval, os macaquinhos batedores de carteira, a insistência no samba ou o menino de rua que precisa ser salvo pela norte-americana incomodam mais exatamente por terem sido retratados por alguém que nasceu no Rio. Era de se esperar alguma mudança de estereótipos mesmo que leve, não?”, pergunta-se a crítica de cinema Thais Kuzman, do blog “Colherada cultural”.[6]

O clichê segue como força-motora da representação cinematográfica e comprova a dificuldade de transformar o olhar em linguagem para revelar o outro tanto nas etnografias acadêmicas como na ficção cinematográfica ou no filme etnográfico. Conforme a diretora de Olhar estrangeiro, Lúcia Murat, o olhar estrangeiro pode ser definido como aquele que apenas registra o que lhe é diferente, o que lhe é estranho, eliminando o resto. “A nossa pergunta é de que maneira esse diferente foi sentido, de que maneira esse diferente foi criado, de que maneira esse diferente foi imposto. Não estamos à procura de uma única resposta, mas de nos acercarmos (e cercarmos) esses olhares”, diz a diretora, no site oficial do filme.[7] Neste confronto entre as ideias que eles têm de nós e as que nós temos de nós mesmos é que se encontra a riqueza do documentário, porque fica evidente que não existe uma identidade nacional. “Se o país parece aceitar com orgulho a malícia de seu povo, sua ginga e malandragem como definidores do seu caráter, ninguém aceita publicamente para si essas qualidades como virtudes”, comenta a antropóloga Paula Montero, da Universidade de São Paulo e coordenadora adjunta da diretoria científica da FAPESP. “Assim, é preciso que nos perguntemos por que se erigiu a malandragem, a capoeira, o jogo do bicho, o carnaval como manifestações da nacionalidade, entre tantas outras manifestações possíveis”, reflete. “Essas imagens constituem as melhores metáforas para expressar a incapacidade de o Brasil formal coincidir com o Brasil real”. Na opinião de Paula Montero, precisamos pensar em outras formas, institucionais e simbólicas, de superação desse dilema.[8]

Dagoberto José Bordin é Doutorando em Antropologia Social na Universidade Federal de Santa Catarina, com mestrado em Ciências da Linguagem pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2005), especialização em Teoria da Comunicação pela Fundação Casper Líbero (1998), e graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1985). É professor no Curso de Comunicação Social da Universidade do Sul de Santa Catarina. Tem experiência nas áreas de comunicação, redação jornalística, linguagem e antropologia urbanas.

 

Referências bibliográficas

ALMEIDA, Miguel Vale de. O Atlântico pardo. Antropologia, pós-colonialismo e o caso lusófono, in Bastos, C., M. Vale de Almeida e B. Feldman-Bianco (org.). “Trânsitos Coloniais: Diálogos Críticos Luso-Brasileiros”, Lisboa: ICS, 2002.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

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Notas


[1] Diretor de Cabra marcado para morrer, Babilônia 2000, Edifício Master, Jogo de Cena, entre outros.

[2] Edição eletrônica da revista Cambiassu, revista científica do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão. Janeiro-dezembro de 2010. Ano 19. Número 7. O autor é egresso do doutorado em Antropologia Social da UfSC.

[3] Mana, vol. 12, n. 2, Rio de Janeiro, outubro de 2006. Entrevista: “A prática etnográfica como compartilhamento do tempo e como objetivação”, com Johannes Fabian.

[4] Lander, Edgardo, “Ciências sociais: saberes coloniais e eurocêntricos”, http://sala.clacso.org.ar.

[5] Antonio Carlos (Tunico) Amâncio é mestre pela USP em 1990 com uma dissertação sobre a política de produção da Embrafilme nos anos 77/81 e doutor, também pela USP, em 1998, com uma tese sobre a representação do Brasil no cinema estrangeiro de ficção. Sua tese foi transformada em livro, O Brasil dos gringos, imagem e cinema.

[6] Acessado em www.colheradacultural.com.br/content/20110410121130.000.6-N.php.

[7] www.taigafilmes.com/filmesolhar2.html

[8] www.revistapesquisa.fapesp.br.

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