A PUBLICIDADE NA BAHIA

Por Guilherme Sarmiento

Acho que foi na época em que o Garotinho era governador, mas pode ter sido quando ocupava a Secretaria de Segurança de Rosinha Garotinho. Este casal tem o dom dos ventríloquos, de modo que hoje já não sei exatamente quem falava por trás de quem. Sei que uma voz se projetou de um deles e chegou até os meus ouvidos. Estávamos em plena República do Chuvisco. Ao redor do Palácio Guanabara, saraivadas de críticas e de balas fizeram com que o governador – ou secretário – viesse a público acalmar os ânimos cariocas.  Os jornais publicaram uma pesquisa apontando o aumento da violência como o grande legado que a gestão dos Matheus deixaria aos sucessores e isto, para quem investiu milhões na modernização da polícia, soou como uma ofensa pessoal. Munido de dados estatísticos, Garotinho por ele mesmo, ou sua esposa, então governadora, através dele, divulgou os dados de uma pesquisa resultante do cálculo dos mais avançados softwares. Todos os indicativos de criminalidade possíveis – latrocínios, sequestros, homicídios, estupros, estelionatos – vinham caindo desde que assumiram a governança do Rio de Janeiro. Segundo ele, a violência não era uma realidade, mas uma “sensação”. A população sofria um mal-estar provocado por uma “sensação” não respaldada pelo “real”.

Foi ali que pela primeira vez percebi que “sensação” poderia ser bem mais do que um termo de uso fenomenológico para se tornar um indicativo da falência da realidade em prol da publicidade. Pois com aquela afirmação Garotinho atestava o valor da propaganda, tanto pelo poder desmedido da imprensa inimiga, cuja constante veiculação da violência produzia a impressão momentânea de insegurança, quanto da incompetência de seu governo em gerar as imagens reflexivas de um Rio seguro e apaziguado.  Esta percepção de uma fonte exclamativa, sensacional, condicionando mentes e corpos a reagirem em favor do simulacro gerou iniciativas esquisitas, como, por exemplo, a utilização de um Zepelin prateado sobrevoando as favelas no governo Benedita, imagem expressiva de um artifício meramente retórico, figurativo, até hoje lembrado pelos que viveram esta época onde o Partido dos Trabalhadores experimentava as dubiedades discursivas do poder.

E estas dubiedades acabaram ressaltadas, justamente, pela aderência de um partido até então considerado genuíno. Pois o PT resistira até o limite para manter intacto seu programa diante da imagem estilosa de suas promessas, mas isto só durou o tempo necessário para que a distância alucinatória entre desejo e saciedade fosse aos poucos preenchida pelo marketing. Como um camaleão adaptando-se ao deserto do real, o partido absorveu do meio as tinturas poentes de um sol oblíquo, dando às imagens de sua chegada as cores de um eterno amanhecer. Esta adesão estratégica ao poder da sensação transformou-se, hoje, em um vício de linguagem. O fazer se tornou dependente do mostrar; o visto tornou-se um custo tão ou mais valioso do que o feito, pois a sensação passou a se bastar em seu apelo aos sentidos.

Isto é bastante sintomático quando observamos o governo do PT na Bahia. Desde que cheguei aqui vejo o quanto se investe massivamente em propaganda e isto fica mais evidenciado pelo fato do mercado publicitário baiano ser pequeno.  Diariamente somos bombardeados por jingles, logotipos, jargões, campanhas criadas nos hipervalorizados brainstorms publicitários: nisto, prefeitura, governo e oposição estão de acordo. “Agora tem, tem, tem”,  “Dá pra ver que mudou, dá pra ver que mudou”.  Deduzo que a metade do faturamento da Rede Bahia venha destas vitrines visuais aquecidas pela disputa da mais eficiente, bem acabada, maneira de se mostrar um feito. E assim, através da legitimidade de se tornar pública e notória suas realizações, os políticos afirmam que a realidade, acima de tudo, é uma questão de estilo. A lógica publicitária parece ser a seguinte: uma mentira mostrada muitas vezes pode até se tornar uma meia verdade, desde que a outra metade do reclame seja ocupada por uma sensação agradável.

Mas não estou aqui para avaliar o que há de verdadeiro ou falso na publicidade. Minha intenção ao escrever estas palavras é apontar para uma lógica perversa, que desencaminha certos valores legítimos para o realce de um aspecto meramente político e ideológico da representação, cobrindo com demasiada importância a reforma da Fonte Nova e reproduzindo imagens pouco reflexivas de uma verdadeira autonomia criativa.  Hoje, talvez, a Bahia seja  o estado com maior número de cursos de cinema em universidades públicas do Brasil. Temos um em Vitória da Conquista, um em Salvador e um em Cachoeira. Diante desta demanda cada vez maior por produção audiovisual, parece que a governança preocupa-se demais com seu reflexo, enquadrando de forma ostensiva seus atos, e esquece de investir em olhares menos comprometidos com o culto narcísico de suas personalidades. Se o marketing baiano vai bem, o audiovisual, como um todo, vai mal. E não há sensação que me faça afirmar o contrário.

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