FILMES DO LABORATÓRIO DE ANTROPOLOGIA VISUAL EM ALAGOAS
Por Sílvia Aguiar Carneiro Martins
O presente trabalho propõe uma reflexão a respeito dos filmes produzidos por pesquisadores do AVAL – Grupo de Pesquisa Antropologia Visual em Alagoas, fundado em 2004, com pesquisadores vinculados a diferentes instituições. Como um grupo de pesquisa registrado no CNPq, o AVAL vem se desenvolvendo a partir de pesquisas realizadas principalmente por antropólogos da UFAL – Universidade Federal de Alagoas. A partir de dois encontros realizados, respectivamente em 2005 e 2007, se expandiu, contando então com pesquisadores como Cornelia Eckert (UFRGS), Etienne Samain (UNICAMP), Ricardo Dantas Salomão (UFF), entre outros.
No AVAL, um total de 28 filmes produzidos sobre índios, datados a partir do ano de 1996, está organizado em acervo. Dentre esses, 14 filmes fazem parte de produção relacionada a pesquisas e pesquisadores vinculados diretamente ao AVAL.[1] A presente abordagem privilegia esses filmes graças, sobretudo, às temáticas exploradas, valendo-se da tipologia de Bill Nichols (2008) relacionada aos filmes documentários. Os demais filmes do acervo serão aqui comentados, visando enriquecer as reflexões a respeito dessa recente produção imagística sobre os índios no Nordeste, particularmente aquelas que lidam com índios em Alagoas, Pernambuco e Paraíba.
Considero que o filme etnográfico está associado ao filme documentário, enquanto “representação… de uma parte do mundo histórico” (NICHOLS, 2008: 30), realizado a partir do “projeto etnográfico” (PINK, 2004: 79). Assim, a participação de antropólogos como realizadores tem sido uma marca desse tipo de produção, quando utilizam em suas pesquisas o registro audiovisual e produzem filmes a partir de suas investigações.
Dentre os seis subgêneros do gênero documentário, que Nichols define enquanto modos de representar o mundo histórico, destacam-se aqui os seguintes:o poético, o expositivo, o participativo, o observativo, o reflexivo e o performático. Tentarei explicar esses subgêneros ao mesmo tempo em que irei comentando e relacionando os filmes do AVAL dentro dessas modalidades. Mas, como o próprio Nichols aponta:
“A identificação de um filme com um certo modo [subgênero] não precisa ser total… As características de um dado modo funcionam como dominantes num dado filme: elas dão estrutura ao todo do filme, mas não ditam ou determinam todos os aspectos de sua organização. Resta uma considerável margem de liberdade.” (NICHOLS, 2008: 138)
O autor explica que o modo poético explora:
“…associações e padrões que envolvem ritmos temporais e justaposições espaciais… [possibilitando] formas alternativas de conhecimento para transferir informações diretamente, dar prosseguimento a um argumento ou ponto de vista específico ou apresentar proposições sobre problemas que necessitam solução… [enfatizando] mais o estado de ânimo, o tom e o afeto do que as demonstrações de conhecimento ou ações persuasivas. O elemento retórico continua pouco desenvolvido”. (NICHOLS, 2008: 138).
Sob tal perspectiva, não se encontram registros sobre os índios em nenhum dos 14 filmes selecionados para análise. A meu ver, nenhum filme se enquadra no modo expositivo. Nichols afirma:
“Este modo agrupa fragmentos do mundo histórico numa estrutura mais retórica ou argumentativa do que estética ou poética… [dirigindo-se] ao espectador diretamente, com legendas ou vozes que propõem uma perspectiva, expõem um argumento ou recontam a história… adotam o comentário com voz de Deus ou utilizam o comentário com voz da autoridade (o orador é ouvido e também visto)… dependem de uma lógica informativa transmitida verbalmente… as imagens desempenham papel secundário. Elas ilustram, esclarecem, evocam ou contrapõem o que é dito… o comentário… [é] associado à objetividade, ou onisciência. Na verdade… representa a perspectiva ou o argumento do filme”. (NICHOLS, 2008: 142-146).
No caso do modo reflexivo,também não há nenhuma produção fílmica produzida abordando os índios no Nordeste. O autor explica o modo reflexivo:
São os processos de negociação entre cineasta e espectador que se tornam o foco de atenção… falando não só do mundo histórico como também dos problemas e questões da representação… os documentários reflexivos pedem-nos para ver o documentário pelo que ele é: um constructo ou representação… (NICHOLS, 2008: 162, 163)
Em geral, os filmes analisados possuem características do modo participativo:
“… o cineasta e as pessoas que representam seu tema negociam um relacionamento, como interagem, que formas de poder e controle entram em jogo e que níveis de revelação e relação nascem dessa forma específica de encontro… é a verdade de uma forma de interação, que não existiria se não fosse pela câmera (…) dá-nos uma ideia do que é… estar numa determinada situação e como aquela situação consequentemente se altera…[pode-se também] querer apresentar uma perspectiva mais ampla, frequentemente histórica em sua natureza… a entrevista representa umas das formas mais comuns de encontro… num campo de trabalho antropológico… usam a entrevista para juntar relatos diferentes numa única história (NICHOLS, 2008: 154-159).
Observo, pois, o modo participativo como sendo característico das representações fílmicas dos índios no Nordeste na grande maioria dos filmes produzidos pelos pesquisadores do AVAL. Iniciaria comentando dois filmes não vinculados ao AVAL, embora seus realizadores hoje o sejam.
O filme Cienciazinha Turká, de Mércia Batista/UFCG e Rachel Rocha/AVAL/UFAL (1996, duração 18’), merece uma atenção especial, poisapresenta o que vem se mantendo enquanto temática central e isso de uma forma geral: o registro de práticas ritualísticas de religiosidade indígena. Considero que esse filme já revela o que tentarei aqui enfatizar: as temáticas abordadas pelos antropólogos refletem problemas e questões postas pelos próprios índios, ao mesmo tempo em que os filmes tratam de algo que os próprios antropólogos buscam registrar através de seu interesse teórico. É através dessa negociação ou conversação, como Pink (2004: 79) explica, “que o conhecimento é produzido.” Essa negociação também marca o que caracteriza o modo participativo, todavia mais adiante examinaremos traços do modo performático ao analisar o filme Os Guerreiros Tingüi-Botó.
O filme Assumindo Minha Responsabilidade(2004, duração 24’), cuja direção, edição e fotografia são de Ricardo Dantas Borges Salomão, com roteiro seu em colaboração com João Pacheco de Oliveira Filho/LACED/MN/UFRJ, destaca-se graças ao modo participativo, ele registra:
“…o I Encontro de Povos Indígenas em Luta pelo Reconhecimento Étnico e Territorial através de depoimentos de líderes indígenas que relatam suas experiências, reivindicações e dificuldades encontradas nesse processo de reconhecimento da identidade étnica indígena. Dessa forma, há uma abordagem, a partir de perspectivas nativas, de uma temática bastante contemporânea sobre processos de etnogênese de povos no Nordeste, Norte e Centro-Oeste do Brasil”.[2]
Há ainda aqueles que focalizam de forma mais direta as práticas ritualísticas[3] como, por exemplo,O Menino do Rancho (2004, duração 20’), de Celso Brandão. Trata-se de um filme sobre um ritual de iniciação entre os Pankararu, onde cenas de práticas do ritual são intercaladas com depoimentos de participantes, principalmente de parentes como os pais e avós do menino que “vai para o rancho.” Dona Barbara, avó do menino, comenta sobre o significado e importância desse ritual para seu grupo.[4]
Três filmes, produtos diretos de pesquisas desenvolvidas no AVAL,associam-se igualmente a esse modo participativo. Baseiam-se em registros audiovisuais, reunidos durante a pesquisa “Especialistas Xamânicos em Alagoas: Registros Fílmicos” (2004-2005). (1)Um dia encantado entre-serras, de Juliana Barretto e Ana Laura Loureiro (2005,duração 5´26), o qual registra a celebração da regularização de uma terra localizada na Serrinha, chamada Entre-Serras, área indígena Pankararu. Um dia encantado entre-serras mostra entrevistas com o antropólogo da FUNAI Ivson Ferreira, um dos antropólogos responsáveis pela elaboração do parecer técnico e relatório do GT encarregado dessa terra específica. Nele, também aparecem cenas da celebração na Serrinha, quando foram reunidos Praiás festejando juntamente com os índios que relatam essa história.(2) Geripancó: uma semente no sertão, de Juliana Barretto e Ana Laura Loureiro (2005, duração 5’25), abrange relatos dos índios acerca de suas experiências com o xamanismo praticado entre os Geripancó a partir de depoimentos e com cenas, inclusive a voz, e presença da antropóloga realizando entrevistas.(3)Ponta-de-rama, deJuliana Barretto(2007, duração: 18′), apresenta dados etnográficos das etnias presentes no sertão alagoano Katokinn, Koiupanka, Kalancó e Karuazú, localizadas nos municípios de Água Branca, Inhapi e Pariconha. Segundo Juliana Barretto, como ela descreve na ficha técnica do filme:
A argumentação desse documento teve como tema central as relações étnico-identitárias desses povos, expressando representações através de uma delimitação: o xamanismo como propulsor de identidades indígenas no sertão alagoano. São focados momentos de exaltação desses traços diferenciais de etnias resistentes.
Um aspecto importante: eis uma produção acadêmica, no caso Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em Ciências Sociais, no Instituto de Ciências Sociais da UFAL. A realizadora Juliana Barretto explica:
“O fenômeno da etnicidade foi estudado através das relações de parentesco, de religião, bem como as relações desses indígenas com os não-índios, onde a identidade indígena é reforçada dentro desse contexto de resistência ao qual esses índios no sertão alagoano estão inseridos.”
Uma vez inscrita no mestrado em Antropologia da UFPE, a autora continua investigando um desses grupos localizados no sertão.[5] Produz um filme inserido como um subitem do terceiro capítulo de sua dissertação concluída em 2010. As corridas do umbu karuazu (2010, duração 29’)resulta de um trabalho realizado em conjunto com os índios Kaurazu, possuindo em princípio doze horas de filmagens, consideradas pelos próprios índios importantes enquanto roteiro. Mesmo com a participação dos índios nas diferentes etapas, o que sugeriria o modo performativo, trata-se de um filme em que prevalece o modo participativo, ainda que não abarcando diretamente a voz da realizadora, por sua vez, presente durante entrevistas. No decorrer de todo o filme, fica claro o diálogo entre a antropóloga e os índios. Daí observa-se a sua presença marcante, as entrevistas juntamente com as tomadas sugerem o uso do modo observativo e se alternam.
Sobre esses povos que se autodenominam de “resistentes”, Siloé Amorim (2003, 2010),baseado em acervo videográfico de pesquisa que há mais de 10 anos vem desenvolvendo entre esses povos, inclui na sua tese de doutorado cinco filmes datados de 2010 e dirigidos por ele. Os filmes são os seguintes: (1)A força do ajucá(duração: 23’), (2) A Promessa de Clenio Karuazu em Imagem(27’), (3) As promessas de Dona Pedrina e Dona Enedina no processo de resistência Koiupanká (29’), (4) Promessa de Clênio em imagens (27:39”), (5) O toré de D. Iracema, fragmento da performance do ressurgimento Koiupanká(1:39”) Todos esses filmes seguem um estilo similar, com exceção desse último sobre D. Iracema. Em geral, eles se enquadram no modo participativo, quando a presença de Amorim através de sua própria imagem em algumas cenas, bem como sua voz nas entrevistas realizadas, proporcionam a visualidade da interação estabelecida entre ele e os índios. Nesses filmes, Amorim remonta temáticas exploradas sobre práticas que são na sua maioria ritualísticas, de cunho “mágico-religiosas,” bem como explora a questão da afirmação étnica indígena, característica desses grupos, reivindicadores do reconhecimento oficial enquanto índios.
Interessante que Amorim não insere simplesmente os filmes nos subitens de capítulos, ele explica e convida o leitor para isso. Por exemplo, sobre A Força do Ajucá(duração: 23’), Amorim descreve no texto de sua tese que:
“…reproduz, no ressurgimento ou apresentação dos Koiupanká, a festa do ressurgimento de todos os outros três povos,ou seja, dos Kalankó, Karuazu e Katokina que de forma similar,organizaram sua “grande festa do ressurgimento”.Ao mesmo tempo em que as imagens… transmitem o que vemos, isto é, nos colocam na posição de “observador”-partícipe deste processo de ressurgência, provocam o leitor… Trata-se de uma ação antropológica da visualidade, da construção da imagem, do som e da auto imagem destes povos em tal processo, que convido o leitor a fazer uma pausa em sua leitura e participar como observador deste momento único da ressurgência indígena Kalankó, Karuazu, Koiupanká e Katokinano Alto Sertão Alagoano”. (AMORIM2010, p.126)
É impressionante a contribuição da produção fílmica sobre índios no Nordeste do antropólogo Marcos Alexandre Albuquerque.[6]Nesses filmes há a predominância de cenas de práticas rituais, bem como explicações que os próprios índios dão sobre questões territoriais. Primeiramente, gostaria de registrar o filme que ele assume como produção do AVAL/UFAL, LEME/UFCG e NAVI/UFSC, Eu venho é do mundo (duração: 15:19”<http://vimeo.com/14621830>),de sua direção e de Edson Nakashima.[7] Esse filme aborda o tema sob o modo participativo, mas também utiliza recursos do modo expositivo (pois há falas de autoridade explicativas), uma temática inovadora a nível de produção sobre índios em São Paulo,focalizando os que vivem no contexto urbano e suas mobilizações políticas em termos de organizações através de associações. Registra, na sua maioria, etnias indígenas que migraram do Nordeste brasileiro, como os Pankararu (PE), Fulni-ô (PE), Atikum (PE), Xurucu (PE), Kariri-Xocó (AL), Pankararé (BA) e Potiguara (PB). Como consta na ficha técnica do filme:
As associações indígenas de São Paulo apelam a este tipo de tradição principalmente em duas circunstâncias: a) como espaço de receita econômica na apresentação de suas tradições em arenas específicas (museus, igrejas, universidades e outros) e b) na conquista e geração de direitos indígenas junto aos órgãos públicos. Assim, a apresentação de tradições indígenas em arenas específicas acabou se tornando um novo, prestigiado e restrito espaço de mobilização coletiva e de visibilidade de um componente social e historicamente marginalizado.[8]
É importante destacar os filmes que Marcos Albuquerque produziu a partir de pesquisas voltadas para produção acadêmica: (1)Jurema: raízes etéreas(<http://vimeo.com/14298979>), que contou com apoio do LACED/Museu Nacional/Fundação Ford e a UFCG (2002, duração: 40`), cuja produção/roteiro/câmera/edição é do próprio autor, uma coprodução de Rodrigo Grünewald e pós-produção e edição de Glauco Machado. Esse filme foi realizado a partir de seu Trabalho de Conclusão do curso de Bacharelado em Ciências Sociais intitulado Destreza e sensibilidade: os vários sujeitos da Jurema – as prática rituais e os diversos usos de um enteógeno nordestino (ALBUQUERQUE, 2002).Jurema: raízes etéreas foi premiado com Menção Honrosa no concurso Pierre Verger da Associação Brasileira de Antropologia/ABA em 2004. Trata-se de uma criativa abordagem dos diferentes contextos em que o enteógeno jurema vem sendo utilizado no Brasil (tais como entre índios, populações rurais, urbana de culto afro-brasileiro, e grupos neo-ayahuasqueiros). Dedicado aos índios no Nordeste[9], possui uma abordagem sob o modo participativo de um elemento cultural indígena, que se expandiu para contextos urbanos contemporâneos.
Albuquerque produziu dois filmes sobre os Kapinawa. No filme intitulado Joguei a semente pra cima (<http://vimeo.com/14309562>),produzido em 2004 (Duração: 16:16’’), com apoio do PPGS da UFCG, os índios “narram a história da mobilização política Kapinawá (Buíque – PE) contra grileiros de suas terras, em especial a Mina Grande, sede da etnia. Registra a revitalização do ritual do Toré como forma de aglutinar a comunidade para a luta contra os latifundiários e fortalecer a identidade indígena” No filme premiado no concurso Pierre Verger/ABA em 2006 pela categoria Júri Popular,Ai que prazer que alegria Kapinawá(30’<http://vimeo.com/14551526>), Albuquerque explica:
O tema central do filme é a constituição do Toré como espaço central das modificações culturais pelas quais passaram. Mostra o ingresso deste ritual na comunidade, a recuperação do elemento laico e lúdico do samba-de-coco (dança e música) por este espaço sagrado e a criação de novos toantes (cânticos indígenas) e sambas de caboclos (como chamam as músicas criadas pela mistura de toantes com sambas-de-coco).[10]
Num outro filme intitulado Meu atikum(duração:9:40”<http://vimeo.com/14617608>), produzido em 2005, também com apoio LACED/ Museu Nacional/Fundação Ford e PPGS da UFCG,Albuquerque explica:
“Vídeo etnográfico que conta a historia da organização dos índios Atikum (sertão de Pernambuco) contra a invasão, por criadores de gado, de suas terras mais produtivas, a Serra do Umã… Através de entrevistas o vídeo resgata, pela memória de alguns Atikum, a história de emergência da identidade indígena da comunidade da Serra do Uma e a produção de seu etnônimo. O vídeo também localiza elementos da cultura ritual Atikum tendo na realização do toré, no preparo da jurema e no espaço sagrado da Pedra do Gentio seus principais componentes. Tais elementos rituais são contrastados com a produção de uma fronteira entre os Atikum e a população local, chamada genericamente de ‘brancos'”.
Gostaria de comentar sobre dois filmes que se destacaram, no meu entender, por conterem elementos predominantes de outras categorias de modos de representação.É o filme já citado de Siloé Amorim,O toré de D. Iracema, fragmento da performance do ressurgimento koiupanká(1:39”),que destaco como o único entre os 14 analisados, no qual prevalece o modo observativo de representação, quando em tempo real, o filme focaliza D. Iracema cantando um toré e uma índia presente incorporando um espírito, cantando também e emitindo sons guturais que sugerem uma vivência de estado de possessão.Sobre esse modo observativo, Nichols aponta:
“…[são] filmes sem comentário com voz-over, sem música ou efeitos sonoros complementares, sem legendas, sem reconstituições históricas, sem situações repetidas para a câmera e até sem entrevistas… [dando] a ideia da duração real dos acontecimentos”. (NICHOLS 2008, p. 147; 149).
Utilizando o registro audiovisual em sua pesquisa de mestrado, Ana Laura Loureiro Ferreira (2010), explorando uma temática inovadora no nível de pesquisas sobre índios no Nordeste, produz o filme indígena Os guerreiros Tingüi-Botó(2009,duraçäo: 19:25”), cuja direção é apontada como sendo do povo indígena Tingüi-Botó e roteiro do jovem Marcelo Campos (Yaporé). Ferreira também inclui um outro filme como capitulo de sua dissertação intitulado Para outra geração (duração: 19:27’), quando se coloca como diretora, cuja produção alem dela mesma, cita o povo indígena Tingüi-Botó. Nesse último filme, Ferreira explora o modo participativo, embora alternado com o modo performático, por aparecer no próprio filme entrevistas sendo feitas entre os próprios índios. A informação que ela apresenta e analisa na sua dissertação é exatamente como sua pesquisa foi guiada pela interferência dos próprios sujeitos que opinaram para quais registros audiovisuais deveriam ser priorizados. Daí, Ferreira (2010) relata e analisa as mudanças de temáticas e orientações de sua pesquisa no decorrer da convivência com os Tingüi-Botó.
De acordo com Nichols, o modo performático:
“…tenta demonstrar como o conhecimento material propicia o acesso a uma compreensão dos processos mais gerais em funcionamento na sociedade…o significado é claramente um fenômeno subjetivo, carregado de afetos (…experiência e memória, sublinha a complexidade de nosso conhecimento do mundo ao enfatizar suas dimensões subjetivas e afetivas” (NICHOLS 2008, p. 170).
Assim, Os guerreiros Tingui-Botóé o único caso exemplar de uma produção do AVAL dentro do modo performático, por esse apelo a uma explicação que os jovens Tingüi-Botó fazem, a partir de suas compreensões subjetivas e expressões sobre como são indígenas. Daí, há um forte apelo interpretativo a elementos estéticos e performance de atividades que os caracterizam enquanto índios.
Sobre comentários referentes a outras produções fílmicas sobre índios no Nordeste que não estão vinculadas a pesquisadores do AVAL, considero importante destacar o filme Indigenas digitais (26’),de Sebastian Gerlic(que dirige, edita e produz). Trata-se de uma produção que se enquadra no tipo performático também. É um filme que os índios depõem, mostram suas subjetividades a partir do uso de tecnologias digitais<http://www.colunazero.com.br/2010/05/indigenas-digitais-eglobalizados.html>
Merece também destaque três filmes produzidos sobre os Potiguara na Paraíba: (1)Monte-Mór é nossa terra (54’), (2) Sou potiguara e (3) Maria Cabocla (31’). São os vídeos do GT Indígena produzidos em 2005.[11] Destaco o filme Maria Cabocla (31’) como dentro de uma abordagem performática, focalizando as experiências subjetivas de diferentes mulheres e gerações, apesar de também conter as características de um modo participativo(com registro da interação entre os índios e aqueles que fazem entrevistas). Elas relatam suas experiências conjugais, de trabalho e sonhos que têm. Diferentes gerações são focalizadas. Considerei que é um filme de predominância do modo performático devido à espontaneidade que essas mulheres se expressam.
Independente dos modos pelos quais os índios estão sendo representados-e-se-representando, a partir dos diferentes modos de filmes etnográficos documentários, pode-se ressaltar que essas imagens refletem, como já foi mencionado, diretamente questões que são colocadas pelos próprios grupos. O projeto etnográfico é, sem dúvida, um elemento fundamental nessas produções que surgem na maioria das vezes, como pode ser constatado pelo próprio modo de representação dos índios, enquanto fruto de negociações baseadas no momento de encontro entre antropólogos e índios em pesquisa de campo.Assim, esses filmes refletem o próprio modo de construção do conhecimento antropológico a partir de pesquisa de campo etnográfica, e são elaborados seguindo o modo participativo de representação desses grupos étnicos indígenas.
Sílvia Aguiar Carneiro Martins possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (1984), mestrado em Antropologia pela Universidade Federal de Pernambuco (1994) e Ph. D. em Antropologia pela University of Manitoba (2003). Professora Adjunta da Universidade Federal de Alagoas – UFAL, em Antropologia, com ênfase em Antropologia Visual, atua principalmente nos seguintes temas: etnografia visual, etnologia indígena, antropologia do corpo e da medicina, xamanismo indígena e mais recentemente em neoxamanismo. Coordena o Grupo de Pesquisa Antropologia Visual em Alagoas – AVAL, autora de várias publicações, realizou recentemente o filme Kambô – Xamãs Urbanos (2012).
REFERÊNCIAS:
ALBUQUERQUE, Marcos Alexandre dos Santos. O Torécoco. (a construção do repertório musical tradicional dos índios Kapinawá da Mina Grande-PE). Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Dissertação de Mestrado na UFCG. 2005.
________, Destreza e Sensibilidade: os vários sujeitos da Jurema (as práticas Rituais e os Diversos Usos de um Enteógeno Nordestino). Trabalho de Conclusão de Curso, UFCG, 2002.
AMORIM, Siloé Soares de. Os Kalankó, Karuazú, Koiupanká e Katokinn. Resistência e ressurgência indígena no alto sertão alagoano. Tese de Doutorado.Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/UFRGS.2010
________, Índios ressurgidos: A construção da auto-imagem os Tumbalalá, os Kalancó, os Karuarú, os Katokinn e os Koiupanká. Dissertação de Mestradoem Multimeios do Instituto de Artes da UNICAMP, Campinas. 2003
BARRETO, Juliana Nicolle. Corridas do Umbú: rituais e imagens entre os Índios Karuazu.Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. 2010.
_________, “Também sou Ponta-de-Rama” (Uma abordagem Identitária dos Índios no Sertão Alagoano), Trabalho de Conclusão de Cursodo Bacharelado em Ciências Sociais, apresentado ao Instituto de Ciências Sociais da UFAL, Maceió. 2007.
FERREIRA, Ana Laura Loureiro . “Para Outra Geração” Um estudo de Antorpologia Visual sobre Crianças entre os Tingüi-Botó.Dissertação de Mestrado .Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPE. 2010
NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas-SP: Ed. Papirus. 2008
PINK, Sarah. Doing Visual Ethnography.Images, Media and Representation in Research.London, Thousand Oaks, New Delhi: Sage Publications. 2004.
[1]São eles Ana Laura Loureiro Ferreira/AVAL, Juliana Barretto/UFAL, Marcos Alexandre Albuquerque/UFSC, Celso Brandão/Produtora Estrela do Norte e Siloé Soares Amorim/UFPB.
[2]Trata-se de um importante filme que registra povos de diferentes regiões no Brasil que reivindicam o reconhecimento oficial enquanto índios. Nesse filme, antropólogos como João Pacheco de Oliveira e José Augusto Sampaio dão depoimentos sobre questões étnicas e políticas referentes a esses povos. O vice-presidente do CIMI, Saulo Feitosa, também aparece em diferentes momentos.
[3]Kambô, a vacina do sapo (2009. Direção: Silvia Martins, duração: 22’) pode ser enquadrado dentro do modo participativo. Nesse filme a prática ritualística do uso da secreção da rã phylomedusa bicoloré abordada e exercida por Gomes, índio Katukina que aplica essa vacina no contexto urbano. Ele explica sobre essa “medicina” ao mesmo tempo que depoimentos de indivíduos que vivenciaram essa experiência são apresentados, juntamente com cenas do ritual. Trata-se de uma produção dentro de uma pesquisa sobre o uso de ayahuasca em Alagoas, e que constata que o kambô vem sendo uma substância utilizada por membros de grupos ayahausqueiros.
[4] O filmeMenino no rancho – festa, cura e iniciação entre os Pankararu, de Renato Athias(Laboratório de Antropologia Visual da UFPE), explora esse mesmo ritual, contendo depoimentos de parentes do próprio menino Pankararu, participante do ritual, contendo igualmente características do modo participativo aqui enfocado.
[5]Juliana Barreto foi orientanda de Renato Athias/UFPE e minha co-orientanda durante o mestrado em Antropologia na UFPE.
[6] Albuquerque produziu dois CDs de músicas Kapinawá. No seu blog <http://marcosdadazen.blogspot.com>, ele vem postando filmes etnográficos de sua autoria, bem como registros antigos, como é o caso do filme sobre os Pankararu produzido na década de 1930, que provavelmente tenha sido o primeiro registro de imagens fílmicas de índios no Nordeste do Brasil.
[7]Importante destacar uma excelente abordagem sobre o processo de migração dos Pankararu que hoje habitam também em São Paulo. Trata-se Do Sáo Francisco ao Pinheiro(2007).dirigido por Paula Morgado e João Sena,que é uma produção do LISA/USP.
[8]Ainda sobre os Pankararu, Marcos Albuquerque produziu São Paulo: a terceira Margem pankararu(2009) que foi inscrito juntamente com Promessa Pankararu (2010) tendo esse último sido selecionado para exibição na III Mostra LEME de Fotografia e Filme Etnográficos em Fortaleza.
[9]Importante destacar o filme Interseções(2007, 14’ <http://vimeo.com/14811583>), exibido e publicado num conjunto de sete filmes etnográficos, em DVD produzido no II Encontro do AVAL (2007). Nesse filme, Albuquerque aparece no filme tomando jurema, servida a ele em contextos rituais dos Kapinawá (no início do filme) e entre os Atikum (ao final). Cheguei a questionar se esse filme não se enquadraria no modo reflexivo, uma vez que Albuquerque se introduz dessa forma no filme, dando prosseguimento a toda uma discussão dos antropólogos sobre seus envolvimentos em pesquisa com uso de enteógeno. Glauco Machado chamou atenção que se trata de abordagens objetivas sobre uma reflexão dos antropólogos sobre esse tipo de experiência em pesquisa, não se tratando do modo reflexivo. Concordei com Machado, pois a reflexividade é abordada pelos entrevistados. Também é importante citar o filme Outro Sentido(17’<http://vimeo.com/14802187>), com direção de Érica Quináglia Silva, Marcos Alexandre Albuquerque e Tales Nunes, umaprodução do NAVI/UFSC em 2006. Nesse filme há uma abordagem reflexiva sobre o fazer etnográfico, mas também se enquadra no modo participativo. A reflexividade é objeto de discussão.
[10]Ai que prazer que alegria Kapinawá(30’) foi produzido baseado na dissertação de mestrado de Albuquerque (2005). Essa segunda premiação que Albuquerque recebeu marca algo inédito até então na Antropologia Visual brasileira. Ele é o único antropólogo desde o início do concurso Pierre Verger a ser premiado duas vezes. Considero esse dado revelador do talento e valor do trabalho que Albuquerque vem desenvolvendo no campo da Antropologia Visual brasileira contemporânea.
[11]Pesquisa e produção: Adriana Pereira, Carlos Guilherme do Valle, Chico Sales, Eliene Nunes, Estevão Palitot, Fernando Barbosa, Francisco Xavier, Gretha Viana, Luiza Botelho, Mirna Nóbrega, Auelytalves e Walfrido Cabral. Câmera e som: Adriana Pereira, Alfredo Amaral, Chico Sales, Fernando Barbosa, Luiza Botelho, Mirna Nobrega, Sulyta Alves. Roteiro e direção: Chico Sales, Mirna Nóbrega e Suelyta Alves. Tecnico de edicao: Alfredo Amaral. STILL: Carlos Guilherme do Valle, Luiza Botelho e Mirna Nóbrega. Consultoria: Estevão Palitot e Fernando Barbosa. Realizacao: UFPB, PRAC, COPAC, FUNAPE, CCHLA, SEAMPO e GT indígena. Apoio: Governo Federal, Ministério da Educação, Secretaria de ensino, superior, PROEXT 2004, Programa de Educação e Promoção Social indígena Potiguara. Finalizacao: Departamento de comunicação social e turismo – UFPB.