O SUPER HERÓI E O REALISMO

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Por João Marciano Neto

 

Em definição simples, um super-herói é um personagem fictício dotado de habilidades impressionantes que as utiliza em virtude da justiça. Como na maioria dos casos, a primeira imagem que se forma é de um individuo portador de poderes surpreendentes que vão da capacidade de voar até de manipular a matéria, mas quando se fala das bandas desenhadas é comum acrescentar nelas os vigilantes, cujas habilidades são mais simples, mas ainda possuindo vantagens sobre uma pessoa comum. Na literatura e nas histórias em quadrinhos, esta fantasia se demonstra altamente eficiente para atrair o público jovem e até mesmo adulto, formando assim um grande número de consumidores e fãs deste mercado, e não demorou para que estas fantásticas aventuras fossem transformadas em animações para a televisão e, com o tempo, despertassem o interesse de produtoras. Logo nos anos 1940 são lançados seriados no formato de live-actions que se tornariam mais populares nos anos 1970 e, novamente, nos dias atuais. Exemplificando este momento, podemos mencionar o grande sucesso da série o Incrível Hulk,  com Bill Bixby interpretando o solitário Dr Banner, e o fisiculturista Lou Ferrigno dando vida ao “Gigante Esmeralda”, assim como As aventuras do Super-Homem, de 1948, e o quase infame Batman, estrelado por Adam West. Não tardaria para que surgisse uma nova preocupação, principalmente quando estes super-heróis passaram a migrar lentamente das páginas dos quadrinhos para as telas de cinema: o realismo. Como transportar algo tão fantasioso para as telas sem contar com a liberdade que uma animação confortavelmente proporciona? Isto implicaria em duas necessidades que vem sendo até hoje trabalhadas: aperfeiçoamento dos artifícios visuais (especificamente efeitos especiais e computação gráfica) e melhoria na capacidade de adaptação.

Seres com superpoderes existem desde a mitologia grega, e nos dias de hoje têm ganhado importância paras as mídias e a cultura popular, seja ele Flash Gordon ou Deadpool. Um filme de super-herói pode ou não ser uma adaptação de algum personagem original dos quadrinhos, mas estes são bem mais comuns e responsáveis por iniciar esta nova febre. O primeiro longa metragem deste tipo mais significativo talvez seja justamente Super-Homem: o filme, de 1978, estrelado por Christopher Reeve, sendo essencialmente inovador por seus efeitos visuais, entre eles fazer Reeve voar pelos céus de Metrópolis. Mesmo Reeve não sendo do tipo musculoso para se encaixar no papel, o principal era levar os poderes do personagem para as telas da forma mais convincente e fiel possíveis. Um dos sinais da tentativa de tornar a realidade dos quadrinhos mais próxima da nossa pode ser vista em Blade (1998), em seguida com X-Men (2000), começando pelo simples detalhe de escalarem um elenco cuja aparência poderia se aproximar dos personagens originais. Wesley Snipes até hoje é a face mais popular do híbrido caçador de vampiros, o mesmo vale para Hugh Jackman, com Wolverine.

Das adaptações que se seguiram, incluindo produções mais obscuras como Spawn (de 1997, com Michel Jai White e John Leguizamo), Barb wire (1996, com Pamela Anderson) e A Sombra (1994, com Alec Baldwin), o primeiro a condizer com a realidade foi justamente um filme sobre vigilante. Apesar de O fantasma (1996) se encaixar nesta categoria, O justiceiro (2004) é quem leva este mérito. Estrelado por John Travolta e Thomas Jane, conta com um personagem cuja história nas páginas ilustradas da Marvel poderia muito bem ter surgido de um conto policial de vingança, sendo o diferencial de Frank Castle seu treinamento e seu grande conhecimento e habilidade com armas. Em escala um pouco mais extravagante se encontra V de vingança (2006), mesmo com Alan Moore não aprovando totalmente a produção. V de vingança se passa em um ambiente hipotético, mas não muito distante do que já foi vivenciado em países que passaram por regimes fascistas.

Mas quando se passou a pensar numa abordagem realista para a temática dos super-heróis? Antes que alguém mencione o nome de Nolan, é melhor retroceder um pouco:  falemos de M. Night Shyamalan. Corpo fechado, de 2000, é uma das melhores abordagens sob este aspecto, ao representar de uma forma um pouco mais reflexiva o que seria um “super-herói” no mundo real, assim como o que seria um “super vilão”, como esta receita de fato funcionaria. Uma abordagem mais séria do conflito moral e emocional nos leva a pensar como se monta um personagem deste tipo, que se demonstra fundamental não só para a criação, como também para a adaptação. Este domínio permite que se construa um personagem que se enquadre no mundo real e possua reações condizentes, não se limitando apenas a limitar as habilidades e dons, mas também apresentar suas motivações e tentações. Não se trata de um assunto especificamente ligado ao visual. Para ilustra melhor isso basta analisar Kick-ass – quebranto tudo (2009). A trama envolve a realidade crescente dos vigilantes mascarados que, motivados pela sua admiração pelos quadrinhos, vestem-se e saem nas ruas combatendo o crime.

É mais do que evidente que dificilmente um homem vestido com uma capa ou roupa colante, que saia  para combater bandidos armados, consiga ser realista. Nas atuais produções lançadas da marca Marvel não existe uma grande preocupação com isto, mas desde Batman begins (2005) uma nova perspectiva e uma estética que muito atraiu a atenção da DC Comics foi inaugurada. A versão reformulada de Nolan serviu perfeitamente para um personagem como Batman, que, apesar de possuir uma lista de super vilões com os mais fantásticos e criativos poderes, consegue apresentar este efeito. Tirar a imortalidade de Ra’s al Ghul, transformar o Coringa em um terrorista e trocar a super força de Bane para uma imposição física intimidadora são exemplos de algumas medidas que permitiram que o Homem-Morcego pudesse ser mais crível, ainda mais numa época em que constantemente novas tecnologias surgem rapidamente para cumprir as mais variadas funções. Mas como aplicar isto a outro personagem como o próprio Superman que recentemente voltou totalmente reformulado com este novo conceito? O que se passa é quase uma repetição de Batman begins, sendo a chave, neste caso, a humanização de um dos mais poderosos super-heróis já criados. A justificativa para o uniforme faz até sentido, assim como vários elementos retirados dos quadrinhos que ainda se mantiveram, enquanto outros sofreram mudanças para serem mais bem fundamentados.

Fora as adaptações, quaisquer outras produções similares não apresentam a mesma preocupação, com algumas pouquíssimas exceções como o obscuro All superheroes must die, de 2011, lançado inicialmente sob o título de VS. O filme não é promissor, mas garante uma perspectiva merecedora da atenção sobre o tema ao quebrar o clichê de que os mocinhos sempre vencem, além de levantar um pequeno questionamento sobre a diferença entre aqueles que recebem uma dádiva e aqueles que se esforçam para ultrapassar seus limites, resumidamente, o valor entre um super-herói e um vigilante. Da mesma forma, trabalha a pressão que este tipo de atividade exerce, revelando assim um lado menos glamoroso e um pouco mais honesto dentro deste universo. O que leva a pensarmos sobre o uso do Anti-herói, que seria uma versão mais aceitável, já que se baseia na não aptidão para a realização de atos altruístas e na adesão de falhas de caráter, tornando-o, assim, psiquicamente mais real em relação ao personagem clássico. O anti-herói surgiu justamente como uma necessidade de provar a ausência do falso e inatingível perfeccionismo moral, um processo de humanização do personagem sem que se mexa no maior atrativo que seria a existência de um dom surreal. A valorização do superpoder é o que leva o espectador até a banca ou a sala de cinema, revelando que a fantasia escapista se torna quase fundamental para o entretenimento desde a época dos contos transmitidos oralmente.

Afora o destaque do anti-herói, vemos aumentado o poder do vilão neste novo perfil de adaptação. O que seria de O Cavaleiro das trevas (2008) sem a bem pensada remontagem do Coringa para se enquadrar à visão de Nolan e à atuação majestosa e inesquecível de Heath Ledger? Provavelmente X-Men teria feito menos sucesso se Ian McKellen não estivesse perfeito na pele de Magneto. Estes detalhes não são somente essenciais na hora de valorizar o herói e traçar sua forma de enfrentamento, se provam igualmente básicos para adaptar o enredo e torná-lo mais emocionante e próximo ao mundo do espectador. As intenções, motivações, planos e o modo como eles se desenvolvem e interagem na história podem ser um bom artifício para se explorar os medos contemporâneos, como os advindos após os atentados de 11 de setembro. O vilão do Batman se tornou um insano que explode pontes e hospitais. Muitas vezes o que se vê não é uma tentativa dos produtores em trazer um mundo imaginário para o nosso, porém levar a nossa realidade para a ficção. É através deste artifício que o fantástico se torna mais presente, mais real. Por isso a mente e a abordagem do super-herói mudam, por isso os vilões mudam, não para se afastarem de seus próprios universos, mas sim para acolher elementos do nosso e, assim, conseguir uma maior aceitação do espectador e, ocasionalmente, surpreendê-lo, pois jamais, em hipótese alguma, será normal um homem de capa ou armadura tecnológica sair combatendo bandidos, por mais nobre que esta ação venha a parecer.

Tanto o cinema quanto a literatura têm como função usufruir do imaginário popular, com mais isto em mente já se é de reforçar que não há como se criar ou adaptar um super-herói para um conceito totalmente realista quando já se começa com o problema dele ser “super”, ou seja, possuir capacidades sobre-humanas, recursos que dificilmente alguém possuiria, exatamente como Hercules e sua super-força e resistência concebida por sua linhagem divina. O espectador necessita deste tom lendário, uma dosagem de incrível e fantástico e, com certeza, busca por isso, mesmo não sendo em um filme de super-herói. Este novo e popular gênero jamais chegará ao realismo pleno, da mesma forma como jamais perderá sua magia, pois o segredo para qualquer grande história de sucesso está no modo de envolvimento do espectador. E talvez não haja forma mais nobre de encerrar uma discussão como esta do que uma saudosa menção de um dos grandes responsáveis por criar e ajudar a popularizar as fantásticas aventuras de poderosos super humanos:

“Excelsior!”

 

João Marciano Neto é aluno do Primeiro Período do curso de cinema da UFRB e autor do Blog Dimartizando http://dimartizando.blogspot.com.br/.

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