Por João Marciano Neto
Para quem vem do interior de São Paulo é difícil imaginar que uma amostra internacional chegue a ser exibida fora do eixo das grandes metrópoles audiovisuais do sudeste brasileiro. Em um primeiro contato, o IX Panorama Internacional conseguiu surpreender este pequeno paulista cursando em Cachoeira, Bahia. Para uma cidade relativamente pequena no interior do estado, receber este evento realmente é uma grande oportunidade, e mesmo enfrentando as dificuldades de ocorrer durante um recesso estudantil, o evento não deixa de atrair atenção dos amantes de cinema. É o que se pode resumir ao apreciar a qualidade do público presente em comparação à quantidade. Este nono Panorama não é o primeiro evento de cinema ao qual tenho contato, porém, conseguiu ser o primeiro a me surpreender logo na primeira sessão que acompanho.
Nesta primeira competitiva internacional de curtas foram exibidos produções de Portugal (em parceria com a França), da Argentina, da Holanda, e, para minha grande surpresa, da Islândia e da Eslováquia. Fico surpreso, pois não é comum que se tenha acesso tão fácil a trabalhos realizados nestes dois últimos países mencionados. Seguindo a ordem dos países que listei, a mostra exibiu os curtas Gambozinos, de João Nicolau, Los Animales, de Paola Bountempo, Straight With You, de Daan Bol, Pandy, de Matus Vizar e Whale Valley, de Gudmurdur Arnar Gudmunsson. Tenho que reconhecer, com certo pesar, que estes nomes não eram de meu conhecimento, porém, alguns conseguiram despertar meu interesse.
Destas aproximadas uma hora e quinze de exibição, há realmente três que julgo que mais conseguiram se destacar. Mas antes vale comentar que todos os títulos apresentados ou trabalhavam com a relação do homem com a natureza ou traziam diferentes abordagens sobre o “universo dos meninos”. A razão de unirem dois temas que, a princípio, parecem não possuírem uma conexão evidente me levou a um questionamento até que, em vez de uma resposta segura, surgiu uma meia dúvida: “Seria o tema desta mostra a inocência?” Honestamente, muito me leva a crer que sim, porém, não me encontro em posição de fazer uma afirmação por também possuir ressalvas sobre minha superficial conclusão.
O curta Pandy foi o que mais chamou minha atenção, não apenas por ser uma animação, mas pela forma como o enredo trabalha de modo irônico a seleção natural em meio à ação do homem no ambiente, que cobiça espaço e entretenimento sem pensar previamente nas conseqüências possíveis. As cores em vários momentos são fortes e bem contrastantes, seu ritmo é descontraído, seu humor se apresenta bastante eficiente e exagerado, além de bem lúdico e sem perder a mensagem questionadora crítica. Apesar de um traçado de cartoon, não se trata de uma animação infantil, o que auxilia no constante choque de expectativas que são geradas.
Outro que também é merecedor de maior destaque é o mini documentário Straight With You (Direto com Você), que apresenta brevemente a vida de um garoto de onze anos que se assume gay e, mesmo a família já tendo ciência disso, teme que as demais pessoas saibam de seu segredo. Aqui, a discriminação é apresentada de forma sutil e sob uma ótica bem inusitada na forma desta pressão que o garoto sente em esconder esta parte de sua personalidade. O tema é tratado com leveza e seriedade, além de explorar uma problemática interessante: o fato do jovem em questão estar saindo com uma menina que é apaixonada por ele, mas não ela não sabe ainda de sua condição. Em alguns poucos momentos cheguei a imaginar se era uma ficção, porém, logo após foi possível descartar esta impressão.
Por fim, o último que julgo mais interessante comentar rapidamente é Whale Valley (Vale das Baleias), uma história sobre o relacionamento de dois irmãos, sendo que o mais velho possui algum problema relacionado à depressão. Totalmente voltado para a perspectiva do mais novo, os tons acinzentados e ofuscados imediatamente proporcionam um clima denso e pesado. Aparentemente simples, mas com um lirismo impressionante, suave quando necessário e tenso em seu clímax, trabalhando com dois momentos similares que abalam os personagens em questão. A atuação do jovem Ágúst Örn B. Wingum me impressionou bastante ao ponto de me recordar rapidamente do desempenho de Kåre Hedebrant em Deixe Ela Entrar (2008), que não é nada menos do que um dos meus filmes prediletos.
Meu único pesar sobre a Competitiva Internacional de Curtas I foi o fato de Los Animales não ter me agradado, mesmo eu compreendendo seu objetivo. Pelo menos, para mim, o curta de Paola Buontempo foi o mais fraco, o que me faz pensar que foi melhor que tenha sido exibido primeiro, invés de, exemplificando, por último, pois não seria capaz de finalizar a exibição tão bem quanto o filme de Arnar Gudmundsson. Mesmo eu não tendo acompanhado a abertura do evento em Cachoeira, este contato inicial me encheu de boas expectativas sobre as demais apresentações, aguardando ainda que mais gente possa aproveitar esta oportunidade de conferir estas produções instigantes.