Por João Marciano Neto
Assistir à Competitiva Nacional proporcionada pelo Panorama me rendeu várias experiências, pena que nem todas prazerosas. As sessões foram marcadas por atrasos, falhas técnicas durante as conversas com os diretores e, o pior, a tentativa não bem sucedida de assalto que sofri ao retornar para casa à noite. Não sou dramático a ponto de dizer que esta última arruinou meu dia, até porque não houve grandes prejuízo. Me concentrando no Panorama e deixando este evento final e pessoal desagradável de lado, apesar dos problemas com o cumprimento do cronograma e o aceitável problema com o microfone, única falha técnica destas duas amostras, tudo fluiu muito bem e os convidados foram bem simpáticos para com o público limitado de uma tarde de domingo.
Em Cachoeira, a programação seguiu a ordem decrescente, sendo assim, a terceira amostra competitiva nacional foi exibida primeiro. O curta cearense Não Estamos Sonhando, de Luiz Pretti, não conseguiu me agradar, e, aparentemente, não teve uma boa recepção do público presente, apesar da etiqueta. Entretanto, o pernambucano Em Trânsito, de Marcelo Pedroso, foi um dos pontos altos do dia, juntamente com a exibição de Filme Demência, dentro da Homenagem a Carlos Reichenbach, no horário anterior. Em Trânsito se revelou bastante divertido e com uma crítica social bem interessante, além do tom descontraído misturado com os contrastes trabalhados. Ambos os curtas aproximavam-se pela temática, pois exploraram a percepção da realidade de formas e focos diferentes.
Marcelo Pedroso, único diretor presente para debater nesta sessão, mostrou bastante humildade e certa timidez no começo, explorando suas respostas e tentando ser o mais claro e objetivo possível. Mesmo com a participação pequena por parte da plateia, houve vários questionamentos interessantes envolvendo os limites entre ficção e documentário, sua crítica ao atual posicionamento político dos partidos de esquerda no país, ao capitalismo, além de comentar sua interação com o ator do filme que, na realidade, é um morador de rua. Apesar de um estranho e incômodo barulho externo que houve por alguns minutos durante a conversa, Marcelo Pedroso teve a atenção do público e respondeu tudo o que lhe foi perguntado com bastante naturalidade.
Já a Competitiva Nacional II foi a “mostra da solidão”, pois tanto os dois curtas metragens exibidos, quanto o longa enfocaram a temática. Outro ponto bem interessante é que dos quatro diretores, três também eram pernambucanos. Deixem Diana em Paz, de Júlio Cavani, foi o mais fraco e que não conseguiu me agradar. Já Au Revoir, de Milena Times, tinha um toque bem emotivo e foi o que mais apreciei, com atuações tocantes e uma narrativa bem envolvente. O longa O Homem das Multidões, de Cao Guimarães e Marcelo Gomes, foi muito bem recebido e acabou sendo o terceiro ponto alto do dia. Apesar de um pouco dilatado, constrói bem sua proposta e apresenta atuações impressionantes que surpreendem com tamanha expressividade, além das várias camadas interpretativas e simbólicas presentes, assim como seu quadro com medidas reduzidos possui grande força narrativa e estética.
Nesta última conversa estiveram presente Júlio Cavani, Milena Times, Marcelo Gomes e o ator Paulo André, de O Homem das Multidões, os quatro com um aspecto meio cansado, mas não desanimados. Júlio falou pouco, mas defendeu a razão por ter optado por uma animação quando o filme poderia ter sido feito com atores. Segundo ele, a escolha antecedeu até mesmo a escrita do roteiro. A possibilidade de criar uma impressão mais fantástica que remetesse ao sonho foi reforçada por esta opção estética. Milena, que estava rouca, também não falou muito e disse que com Au Revoir ela buscou explorar um estereótipo de frieza e de amizade descompromissada, com o máximo de realismo possível. Honestamente, ela conseguiu cumprir suas metas.
Entretanto, os que mais falaram foram Marcelo Gomes e Paulo André, com suas respostas mais extensas e uma maior atenção do público. Paulo estava um pouco mais tímido, enquanto Marcelo Gomes evidenciava seu entusiasmo, principalmente quando comentou sobre sua parceria com Cao Guimarães e sua boa relação com o diretor. Também explicou a forma como foi o processo de livre adaptação do conto de Edgar Alan Poe, que serviu de pontapé para O Homem das Multidões. No conto de Poe, ele descreve o solitário homem metropolitano do século XIX, enquanto o filme de Cao e Marcelo enfoca dois personagens que refletem duas formas de solidão numa metrópole contemporânea. Em um, a solidão pela ausência física das pessoas; no outro a distância que o ambiente virtual proporciona. Marcelo Gomes e Paulo explicaram algumas características do filme abertamente e interagiram bem com o público.
Estas duas sessões da Competitiva Nacional foram bem proveitosas e superaram as dificuldades. Realmente, quem enfrentou a tentação de ficar em casa num domingo frio e úmido de Cachoeira saiu no lucro. Admito que o dia 3 de novembro poderia ter se encerrado melhor para mim, mas nem todos os dias são completamente perfeitos, e, assim como estas duas exibições do Panorama em Cachoeira, não devemos nos deixar abalar por pequenos infortúnios. A equipe da produção foi bem competente para resolver os problemas que surgiram e o público estava bastante interessado neste quarto dia de festival.