MAR NEGRO

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Por João Marciano

O mais recente e o primeiro filme de Rodrigo Aragão a entrar nas salas de cinema traz várias surpresas para quem ainda desconhece seu trabalho. Retomando mais uma vez o uso dos zombies, Mar negro apresenta o acumulo de experiências e referências dos trabalhos anteriores do diretor, incluindo pequenos projetos talvez ainda menos conhecidos. O próprio Aragão assume o caráter splatter de sua filmografia e consegue de modo muito eficaz proporcionar as mais diversas reações no público, sejam elas de horror ou de natureza cômica, o que se revela uma forma não só de posicionamento mas também de autodefesa, uma vez que suas produções são realizadas abaixo do que no Brasil é considerado “baixo orçamento”. Mesmo com a barreira da aceitação do terror nacional a ser enfrentada, Mar negro apresenta o leque de possibilidades ainda não tão exploradas pelo cinema brasileiro. É evidente que assistir a esse filme já tendo na memória Mangue negro e A noite do chupacabras, longas anteriores do cineasta capixaba, auxilia muito na compreensão de algumas deixas (easter eggs, por assim dizer) espalhadas, mas a falta também não interfere tanto uma vez que não se tratam propriamente de sequências de uma mesma história, e sim histórias de um mesmo Universo.

Mar negro também herda de Mangue negro seu discurso ecológico, que entra sutilmente em meio ao ataque de criaturas assombrosas. O filme tem como base a história de uma vila de pescadores que passa a sofrer as consequências de uma mancha negra que se aproxima do litoral contaminando e matando a fauna marinha, enquanto isso, um dos personagens centrais, Albino, recorrerá a encantamentos de um misterioso livro de magia negra para conquistar o coração de sua amada. A união desta ameaça mais física com este recurso místico cria o que podemos chamar de Universo do Fábulas Negras, onde se procura no regionalismo e na diversidade cultural brasileira realizar filmes de gênero com uma forte identidade nacional. Os exageros e extravagâncias se justificam a partir deste pensamento somado à filosofia de ressuscitar, em tom nostálgico, as produções de terror americanas dos anos 1980, com maquiagens impressionantes e efeitos especiais não realizados em pós-produção. Definitivamente isso já se tornou a assinatura do diretor, e neste longa metragem todas as suas técnicas foram aperfeiçoadas e utilizadas de modo a ser mais aceito por este público não acostumado com os considerados “trashes”. Mar negro possui várias cenas memoráveis, desde a cena referência à Fome animal, filme de terror dirigido por Peter Jackson no começo da carreira, uma rápida sequência envolvendo uma baleia zombie até a cena final que nos remete diretamente ao desfecho do primeiro longa de Aragão. Quem é fã de terror certamente se diverte muito com o filme.

O enredo é bem simples e conta com vários focos que juntos compõem a trama. O único pesar é que são tantos personagens explorados que fica um pouco difícil de se apegar a algum deles, porém, é mais do que determinado que a linha central passa pelo tímido protagonista Albino e sua crise pessoal. A construção deste personagem não é tão complexa, entretanto, tem a profundidade certa para funcionar e ser trabalhada devidamente ao longo do filme. Diferente de seus antecessores, o ritmo de Mar negro é mais acelerado e conta com um apelo visual bem maior. Assim como esperado, sua trama transita entre o terror e a comédia até para atenuar a violência excessiva e pouco realista apresentada. O sobrenatural de Mar negro possui uma essência próxima a das graphics novels, não só em conteúdo, como também referente a estética visual empregada. O fato de ser uma produção de um orçamento tão baixo não chega a ser evidente, ao menos para quem compreende a proposta.

Mesmo com poucas locações os cenários são bem interessantes, especialmente no começo do filme, onde a paisagem natural é explorada com beleza, e a do pequeno e duvidoso bordel, revelando não só um bom uso da iluminação para transformar o ambiente como também a forma como o espaço foi utilizado. Não existem grandes luxos, refletindo bem uma situação econômica presente em boa parte das pequenas cidades do interior, além de possuir um posicionamento temporal que nos remete indiretamente a um passado não tão distante. Além do figurino, há pequenos indícios discretos que fazem este direcionamento e que muitos podem não perceber, e por se tratar de comunidade supostamente afastada de um centro urbano convencional acaba ajudando que não seja tão evidente. Este posicionamento temporal reforça mais um pouco o tom nostálgico buscado por Aragão, apesar de bem menos saudosista, além de explorar características culturais do próprio repertório e vivência do diretor como estética, tornando o que seria local em exótico, até mesmo novo para quem está acostumado com o padrão norte americano urbano e científico da grande maioria das ambientações dos enlatados hollywoodianos que temos tanto acesso.

Para quem tem acompanhado o percurso de Aragão pode notar um grande progresso e amadurecimento de sua visão e posicionamento sobre a forma de se fazer cinema no Brasil, e Mar negro, mesmo com um drama menos desenvolvido que A noite dos chupacabras, se revela seu melhor trabalho até o momento. Realmente é penoso que apenas seu terceiro filme tenha conseguido finalmente conquistar mais espaço e a oportunidade de ter uma maior circulação. Independentemente da apreciação do gênero do filme, Mar negro é um filme bastante singular e marcante. Apesar de inúmeras vezes ter sido comparado com o grande José Mojica, figura que surpreendeu muitos na época do cinema de Boca de Lixo, Aragão possui um método mais gritante e extrovertido de provocar e tentar romper alguns dos mais insistentes tabus e preconceitos existentes sobre a produção audiovisual nacional, e tem obtido cada vez mais retorno por parte dos incentivadores e adeptos de uma maior diversificação de nossa cinematografia. Mar negro pode até não ser do paladar de uma considerável parcela do público, porém é um projeto bem curioso que cumpre seus objetivos, afinal, é transbordado de toda a competência, potencial e criatividade que o Brasil possui para se aventurar em filmes de gênero.

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Um comentário sobre “MAR NEGRO

  1. Nancy

    O Terror nacional anda de vento em polpa com a empresa PubliGibi que vai lançar ainda este ano um filme com TONINHO DO DIABO e trilha sonora da banda EXCOMUNGADOS com letra de PEKINEZ GARCIA, o vocalista (nudista e vulgar) ateu e “afilhado” de ZÉ DO CAIXÃO!

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