Por Melissa Silsame
Nesse mês de fevereiro Salvador e Cachoeira receberam a Mostra Cinema de Santo.
Realizado pela Funceb, em parceria com a Ginja Filmes, o evento foi gratuito e não se restringiu apenas ao meio acadêmico, exibindo aproximadamente 40 filmes dentre curtas, médias e longas-metragens. Seu intuito foi mostrar obras com temática religiosa, mais especificamente, as de matriz africana, como Umbanda e Candomblé, abrindo uma janela para se livrar de preconceitos e apreciar uma filmografia cuja qualidade artística não se restringe a uma abordagem específica. Afinal foram apresentados clássicos como As aventuras amorosas de um padeiro (1961), de Waldyr Onofre, A Cidade das mulheres (2005), de Lázaro Faria, O Fio da memória (1989), de Eduardo Coutinho, e O Amuleto de Ogum, (1975), de Nelson Pereira dos Santos.
O longa de Nelson Pereira dos Santos, O Amuleto de Ogum, conta a história de Gabriel, um rapaz que, após presenciar a morte do pai, é levado até um Centro de Candomblé, onde tem o “corpo fechado” e selado por um amuleto.
E assim cresce Gabriel, saindo do interior onde morava e indo para a cidade grande trabalhar como matador de aluguel. Em um de seus serviços, elimina o presidente da cruz vermelha, sendo posteriormente caçado pela polícia e pelo seu patrão Severiano, a quem desacatou ao envolver-se com sua mulher, Eneida.
As sequências de tiroteio aceleram o ritmo do filme e torcemos para que Gabriel saia sempre vencedor. Mesmo não sendo o personagem mais falante, simpático ou maduro, é impossível não se gostar dele. O interessante em O Amuleto de Ogum é notar que a religião fornece todos os elementos da jornada do herói, pontuando tanto sua iniciação, quanto seu renascimento, após ser aparentemente assassinado, ensacado, jogado no mar e salvo em seguida por um pai de santo, responsável por seu crescimento espiritual. Ao contrário de Severiano que pede ajuda ao mesmo pai de santo e não cumpre com os preceitos prometidos, Gabriel cultiva seus superpoderes através de sua devoção religiosa sempre renovada.
Com uma trama interessante, grandes momentos de ação e tensão que quebram o mito de que filmes assim não podem ser feitos no Brasil, o filme de Nelson Pereira dos Santos ainda deixa uma questão no ar: em tempos de intolerância religiosa crescente, um filme como Amuleto de Ogum teria espaço nos dias de hoje? Seria o sucesso de bilheteria que foi na década de 1970?
Melissa Silsame é bolsista PROPAE, estudante do terceiro período do curso de Cinema e Audiovisual da UFRB, e redatora da revista Cinecachoeira.