Por João Marciano
Bem recebido pelos Festivais de Cannes e de Toronto, ambos nas edições de 2012, Antiviral é o primeiro longa de Brandon Cronenberg, filho reconhecido do diretor David Cronenberg, que impressionou toda a geração da década de 1980 com sua violência gráfica em Scanners, Videodrome e A mosca. Seguindo os passos do pai, o canadense se aventura com uma ficção científica perturbadora. Na trama futurista protagonizada por Caleb Landry Jones e com a participação de Malcolm McDowell, existe um serviço bastante solicitado onde fãs de celebridades pagam para se contaminarem com as doenças de seus ídolos e se alimentam de suas carnes clonadas. Caleb interpreta Syd, um “coletor de doenças” que trabalha para uma das maiores empresas do ramo e simultaneamente contrabandeia amostras para o mercado negro. Quando a principal modelo adoece, Syd coleta seu sangue e injeta um pouco em si sem saber que se tratava de uma patologia desconhecida e mortal. Com a vida em risco, passa a investigar o vírus em busca de uma cura e acaba se deparando com uma sabotagem.
Ao contrário de David Pai, Brandon opta por uma fotografia mais limpa e incomodamente hospitalar em seu filme. O rigor dos planos de longa duração dá ao filme um ritmo bem lento, forçando o espectador a assumir uma postura mais contemplativa e a se direcionar ao interior do protagonista para compreender toda a crítica que se faz agressivamente presente. Antiviral é uma fábula sobre o star system, uma reflexão exageradamente ilustrativa e quase de humor negro sobre o comércio da fama e o quanto essas relações podem ser destrutivas e sádicas. A perversão proposta teria tudo para ser um golpe brutal ao modelo se fosse melhor consumível. A lentidão e a centralização quase kubrickiana dos enquadramentos, que esteticamente nos privilegia com algumas imagens de beleza memorável, acabam sendo um empecilho para o espectador comum.
O enredo apresenta algumas saídas menos convincentes, mas de certo modo até cabíveis à proposta. Os diálogos, mesmo que simples, são construídos com um cuidado preciso o suficiente para se compreender sem grandes dificuldades as intenções nas entrelinhas, permitindo, inclusive, pequenos momentos que se assemelham aos monólogos teatrais sem que nada aparentemente de relevante seja dito. O flerte de Brandon com o terror se evidencia nos detalhes e nas ações mais agressivas ao olhar. A carne artificial branca, as faces deformadas usadas para identificar as patologias comercializadas e os atos fisicamente invasivos não são extremos, em outros contextos talvez nem fossem capazes de causar o mesmo impacto, mas ainda assim proporcionam a repulsa por serem convincentes. Enquanto o Cronenberg pai, em sua juventude, parecia mais interessado na violação da carne por meios da deformação radical de imediato choque como uma metáfora dos problemas mais complexos e subjetivos, o Cronenberg filho indica que prefere uma abordagem mais “suave”, onde toda a deterioração se inicia pelo psíquico e dele se manifesta no físico. Isso não passa de uma teoria, afinal, na época de David havia uma maior liberdade e desejo de testar no cinema os limites da violência gráfica por meios dos recursos tecnológicos, que se aperfeiçoavam rapidamente. Atualmente, a geração de Brandon procura a fórmula ideal de equilibrar os mesmos ingredientes com uma construção psicológica mais vigorosa, que expresse muito mais conteúdo subjetivo. Algo talvez tenha se materializado muito bem com Kubrick em O iluminado e com Jonathan Demme em O silêncio dos inocentes, porém ambos contam com um preparo prévio uma vez que os dois são adaptações de obras literárias.
Mesmo pecando em determinados aspectos, Brandon é uma promessa em formação cujo maior desafio será sair da sombra de seu pai. Em Antiviral manifesta todo seu domínio das ferramentas cinematográficas. Pode-se imaginar que numa futura produção ou experimente outra linguagem, outro ritmo, ou concretize seus possíveis traços autorais. É cedo para se afirmar alguma coisa, entretanto há muito que se aguardar uma vez que o sobrenome Cronenberg esta associado a títulos que desafiam a mente do espectador.