COBERTURA CACHOEIRA DOC

MOSTRA COMPETITIVA

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por João Marciano Neto

Eu, Travesti?/ Sem Título #1: Dance of Leitfossil/A paixão de JL

É noite em Cachoeira. O público aguarda pacientemente em frente ao Cine Theatro Cachoeirano a primeira sessão da Mostra Competitiva por pouco mais de meia hora. Com a greve dos professores nas universidades federais, as expectativas iniciais inclinavam para um possível esvaziamento. Pobre aquele que por um instante duvidou não somente da força do evento em si, mas também da paixão e compromisso dos curiosos e leais espectadores que rapidamente lotaram a humilde sala de exibição. As obras a serem degustadas pouco se revelavam nas sinopses da programação e surpreenderam de modo positivo os presentes que, acompanhando o movimentado dia, muito bem poderiam ser abatidos pelo cansaço e o aconchegante friozinho do ar- condicionado em meio às luzes apagadas.

Baseando-se menos do que simplesmente na saudade e mais num sentimento de ausência em diferentes absorvimentos emocionais, os curtas Eu, Travesti? e Sem Título #1: Dance of Leitfossil são apresentados e logo na sequência vem o longa igualmente singular, A paixão de JL. Eu, Travesti?, de Leandro Rodrigues, conta com uma pegada próxima ao experimental e se aprofunda num questionamento introspectivo sobre sexualidade e autoimagem contra uma visão hegemônica dicotômica, estabelecendo analogias com determinadas questões levantadas pelo longa da sessão. Por sua vez, o alegre e descontraído Sem Título #1: Dance of Leitfossil, dirigido e montado pelo igualmente descontraído e sorridente Carlos Adriano, brinca com a memória, a música e a dança de Fred Astaire e Ginger Foster para homenagear a ilustre figura de Bernado Vorobow. A presença dos diretores na exibição proporcionou uma bem breve conversa sobre o uso do corpo e as formas de comunicar, questões não tão aprofundadas visto a pressa da maioria em aproveitar as festividades prometidas pela noite.

Apesar de dois curtas tão curiosos, a atenção recaiu com mais peso em A paixão de JL, de Carlos Nader. Mesmo sendo um tanto arrastado e de construção irregular, a reconstituição quase lírica do pensamento do artista plástico José Leonílson em conjunto com o arquivo sonoro de seu gravador-diário revelam um modo incomum de encarar o mundo. Denuncia nas entrelinhas os males e as posições políticas de uma época ao mesmo tempo em que expõe as íntimas mudanças graduais em sua vida, em seu ser, após descobrir-se portador do vírus HIV. A paixão de JL possui uma sensibilidade que o eleva para além do registro, para além de uma documentação tradicional, jogando o espectador para dentro de outra alma invés de posicioná-lo do outro lado do confessionário. Os fragmentos de reportagens, filmes, séries televisivas e jogos de montagem superam a função didática, são tão significativos esteticamente quanto os remendos e desenhos característicos do vazio da obra do artista.

Em resumo, a sessão se revelou de grande peso intimista. Nós, os silenciosos observadores, invadimos furtivamente o espaço do “eu” pelas trilhas da saudade e da insegurança pessoal. Tendo em vista que esta foi apenas uma das primeiras sessões da Competitiva Nacional, nos é permitido o direito de imaginar quais outros campos, que outras intimidades ocultas nos serão expostas para deleite e julgamento.

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