LADRÕES DE CINEMA

Por Poliana Costa

Em 1977, Fernando Coni Campos lança Ladrões de cinema, um filme que esperou oito anos, a partir da concepção do roteiro até a produção. Segundo Coni Campos, esse é o seu primeiro longa-metragem: toda a sua produção anterior é considerada por ele como ensaios. A obra rompe com a ideia de que só se pode fazer cinema com uma grande infra-estrutura, como o modelo industrial de Hollywood. Ladrões de cinema foi realizado com um orçamento baixo, sendo preciso muitas vezes improvisar para suprir as dificuldades de produção, mostrando que, apesar do pouco apoio à cultura, é possível fazer cinema no Brasil. O importante é o querer, a vontade de realizá-lo, mensagem que o filme passa não só por sua história de produção, mas também através da narrativa fílmica.

Carnaval, festa de repercussão popular. O povo desce o morro e toma a avenida. Assim começa o filme do cineasta baiano Fernando Coni Campos, com a comunidade da favela tornando-se visível para o Brasil, e também para o exterior através das lentes dos cineastas americanos, que tem os seus equipamentos roubados por um grupo de marginais do Pavãozinho. Marginais, sim! Mas não da forma banal dita pela mídia televisiva: marginais por estarem à margem da sociedade. Eles querem uma representação feita por quem a conhece de verdade, feita por eles mesmos.

Trata-se de um filme metalingüístico. O grupo de amigos do morro que rouba os equipamentos cinematográficos, chamado pela mídia de “Ladrões de cinema”, nome dado ao filme, decidem produzir uma película no morro. O espectador acompanha todo o processo de realização, desde a discussão sobre o que abordar no filme, até o dia de exibição no cinema. Os ladrões de cinema optam por um tema histórico, contam a história de Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes. De forma inocente, e até mesmo romântica, escolhem contar esta história, colocando-o como um herói, um líder do povo que quer independência.

Para contar tal história, os personagens envolvidos na produção do filme entram em processo de pesquisa, recorrem aos sambistas, que tem os sambas-enredo como forma de expressão popular e também como dispositivo de informação. O samba está presente na vida dos moradores do morro e também na narrativa fílmica. A composição plástica da película traz os signos do carnaval: máscaras e outros enfeites fazem parte de muitas cenas, como a do baile, cuja elaboração está mais próxima da contemporaneidade do que do século XVIII, época em que viveu Tiradentes.

Além do caráter metalingüístico, Ladrões de cinema possui um caráter híbrido. Cenas ficcionais se alternam com cenas documentais. No filme de Coni Campos, há espaço para os moradores do Morro do Pavãozinho. Crianças correm em meio às ações dos personagens, planos abertos enquadram não só a ação dos atores, mas também o movimento da comunidade.

Ladrões de cinema traz em seu título uma referência a Ladrões de bicicleta, filme de Vittorio de Sica. Utiliza não só o ideal político do neo-realismo, como também a referência estilística, ao usar a câmera na mão, e ao mesmo tempo descrever o morro trazendo uma relação documental e “realista” com o que é apresentado. E vai além, ao rejeitar o filme de indústria, mostrando que é possível realizar filmes de forma independente, de baixo orçamento, mesmo com o financiamento da Embrafilme.

É nesse filme que Fernando Coni Campos diz conter as suas concepções de cinema. Ele defende um cinema livre, independente, e como o grande contador de histórias que sempre foi, defende que o importante em fazer cinema é a vontade de querer fazer, é a vontade de contar uma história que mude não só quem ouve, mas também a quem conta. Em Ladrões de cinema é possível notar o amadurecimento do diretor, vendo a forma com que dialoga com o próprio cinema. Por todos os motivos apresentados no texto, e muitos outros que aqui não cabem, Fernando Coni Campos e suas obras merecem destaque na cinematografia nacional.

2 comentários sobre “LADRÕES DE CINEMA

  1. Guimel

    Boa review Poliana!
    Tenho tentado ver essa obra- prima desde 2010, porém sem sucesso. Sabe onde posso ter acesso ao filme? Gostaria de passar pra minha turma!

    Grato! Parabéns pelo site!

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