PRO DIA NASCER FELIZ

por Jessé Patrício

 

Que a educação do país sempre foi um dos nossos principais problemas isso todo mundo já sabe, porém João Jardim no seu filme Pro dia nascer feliz (2006) tenta retratar, mesmo que de maneira generalizada, quais são os verdadeiros defeitos desse sistema educacional que se mostra ineficaz a cada ano que passa, sem que haja uma atitude por parte dos governantes ou da própria sociedade para que esse quadro possa vir a mudar. São retratados no filme desde a escola do interior do nordeste, que sofre por não ter verba suficiente para arcar com toda sua despesa anual, ou alunos que gostariam de estudar, porém sofrem por não terem transporte para poder se locomover até o colégio, e até a classe média com seu falso paraíso educacional e seus problemas existenciais, entre outros assuntos.

Um dos pontos fundamentais que o filme trata é a relação professor/aluno que em algumas partes pode aparecer de maneira amena, outras desconfortável. Logo no início do filme ouvimos a voz off de um diretor retratando a triste realidade financeira da sua escola, com isso o documentário caracteriza a culpabilidade do estado por problemas que serão mostrado em seguida. A partir desse ponto, o diretor prefere partir para alunas que, mesmo diante das dificuldades encontradas, acreditam no estudo como única forma de crescer na vida, como se o filme todo fosse um processo de superação, pois empecilhos serão encontrados e terão que ser derrubados. Isso se justifica com a última cena do filme, na qual aparecem rostos sorridentes de vários alunos de escolas públicas e privadas, e a aluna que nem mesmo os professores acreditam na sua capacidade criativa e intelectual declamando uma bela poesia sua inspirada na “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias.

O filme tem o mérito de mostrar como é triste a realidade do modelo educacional que se pratica no país, no qual o aluno passa de ano (ou série) mesmo sem aprender nada, pois um professor para reprovar um aluno tem que preencher uma ficha cansativa, e muitos preferem não se cansar mais do que já se cansaram no ano letivo inteiro. A reunião do conselho de classe, sistema totalmente defasado que ainda se encontra em prática no país, pois os governantes querem diminuir os números de analfabetos nas estatísticas e esse sistema os ajuda, porém acaba formando novos analfabetos funcionais, é o triste descaso do estado com a sua população. O diretor do filme, ao mostrar o aluno da periferia carioca contente de ter passado de ano no conselho de classe, nos mostra como esse método de julgamento está fazendo com que os alunos achem importante estarem na escola não para ganharem conhecimentos, e sim para só passarem de ano.

Se algumas vezes o filme pauta em criticar os professores por todo atraso educacional, por outro lado mostram-se os profissionais que tentam encontrar vários dispositivos para que os alunos tomem consciência da importância da escola no seu processo de formação de cidadão. Desde professores que criaram grupos de dança e música, ou a professora que coordena um fanzine feito pelos seus alunos e tenta com isso transformar o colégio em algo além da sala de aula. Os benefícios de iniciativas extras podem ser reforçados pelo depoimento da aluna Keila, que diz que depois de ter entrado para o fanzine sua personalidade e forma de ver o mundo mudaram para melhor, pois ela começou a agir de outra maneira e perdeu a agressividade que tinha. Ou o de Douglas, de Duque de Caxias, que diz que o grupo de música ocupa o tempo livre dele e o impede de estar na rua longe das más influências.

 

Entre a tragédia da sobrevivência e a crise da existência

 É interessante perceber que no decorrer do filme vemos a todo instante vários professores de escolas públicas discorrendo sobre o problema da educação no país, uns já cansados por ter alunos inadimplentes que só fazem atrapalhar seu desenvolvimento profissional, outros já desgastados e com um ar de que já chutaram o balde e decidiram não mais se estressar com os alunos, e aquelas que entendem que esse modelo educacional é o verdadeiro atraso da educação no país. Porém em nenhum momento vemos um professor da escola particular opinar sobre a educação brasileira, como se eles vivessem numa bolha na qual os problemas encontrados pelos professores de outras esferas não fossem os deles. O que é totalmente um engano, a exemplo da aluna que passa de ano no conselho de classe, ou a grande quantidade de alunos que ficam em recuperação e demonstram a mesma opinião do aluno da escola pública: o único dever que se tem é passar de ano. Os professores da escola particular se escondem e mascaram um problema que está em todas as partes, o descaso com a educação, já que educação é um grande negócio. O colégio particular é cheiroso e bem arrumado para não assustar os visitantes.

Outro ponto importante do filme é como ele trata a psicologia de cada aluno, em suas preocupações e suas perspectivas para o futuro. Dois casos interessantes que valem ser destacados são de um aluno do colégio público do município de Itaquaquecetuba (SP) e aluna da área nobre da grande São Paulo. Enquanto Ronaldo, o aluno do colégio público, aparece como quem tem noção da realidade em que vive e pensamentos críticos sobre o sistema falho da educação do país,  Ciça, que é uma grande personagem para o documentário pelo caráter emotivo nas suas falas, aparece como representação de uma classe média vivente numa bolha social. O simples ato de perceber a existência de um vendedor de bala na rua a torna mais humana, mas quando questionada sobre seu papel na sociedade, ela rebate que o ato de ajudar o próximo inviabilizaria sua aula de natação, ioga ou outros afazeres totalmente fúteis. Se em Ronaldo encontramos um altruísmo como evolução não só espiritual, mas também intelectual, o egoísmo do pensamento da classe média não permite que Ciça tenha os mesmos ideais e sua altivez em estudar, com isso, não passa mais do que tentar provar para si mesma, ou para os outros, que pode tirar boas notas e ser disputada como objeto de mercado entre os colégios particulares.

Filmes como Pro dia nascer feliz são totalmente necessários na filmografia nacional, pois se não discutirmos os nossos próprios problemas nunca teremos capacidade para tentar resolvê-los. O filme se encerra com um final clichê entre os planos dos luxuosos apartamentos e a favela logo ao lado, como se quisesse nos dizer que o fruto dessa separação começasse na educação. E a última cena de pequenas crianças com um prato de comida na mão a procurar o seu lugar no espaço para se alimentar, aparece como uma provocação, se aceitarmos que aquelas pequenas crianças têm os mesmos problemas dos jovens que vimos antes, marcados pelo descaso do governo, o anacronismo de um sistema educacional já falido, ou a violência brutal que a falta da educação faz aparecer no ser humano.

 

5 comentários sobre “PRO DIA NASCER FELIZ

  1. Anak Paud

    Educação é da responsabilidade do estado. O filme é uma boa maneira de descrever o estado do país. Espero que o país possa fornecer boas instalações no campo da educação. Um artigo muito interessante.

  2. Elzilene

    O documentário deixa bem claro quanto a responsabilidade do Estado, porém nossos governantes tapam os olhos pra esse assunto que é de suma importância para o desenvolvimento do nosso país.

  3. luciene

    na minha opinião ha muitos lugares em nosso país que a educação é desvalorizada ,o governo de cada estado deveria investir mais na educação implantando projetos para que os alunos se sintam mais incentivados a estudar . na zona rural os alunos precisam de transportes de qualidade para se deslocarem para a escola e outras coisas , enquanto que em muitas cidades os alunos tem de tudo para estudarem e se formarem muitos não dão valor etc…

  4. Alexandre Machado

    Muito produtivo esse filme no sentido de nos alertar para problemas crônicos na educação em nosso país, muitas vezes passam despercebidos pela população que em raros momentos se mostra preocupada. Estamos passando dificuldades com esse sistema educacional atrasado e ineficiente, em minha opinião manipulado pelo governo a seu favor. Com todas as dificuldades explícitas e diferenças entre o rural e o metropolitano, o público e o privado, também visualizo o comodismo de alguns educadores que se conformam com o sistema e se calam. Não se vê greve para mudança das diretrizes educacional somente no âmbito salarial e melhorias dàs condições de trabalho, sinto que a maior parte da culpa da desorganização educacional é no governo porém educadores e sociedade também tem sua parcela de culpa.

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